segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

2014!

Aprendi a entender que o cancro não desaparece nunca. É um pouco como os vícios dos quais nos livramos, na esperança de que seja para sempre: um ex-toxicodependente é sempre um toxicodependente em recuperação. O mesmo para o àlcool, o tabaco e outros males. Com o cancro é também assim. Aprendi bem. 

O Doc está óptimo, aparentemente. Voltamos à vida normal, sem medicações, sem sessões de quimio, aos passeios mais longos, aos treinos, às brincadeiras. O meu olho treinado vasculha o seu corpo cada vez que adormece tranquilo, na esperança que não reconheça no meu toque a ansiedade de quem procura o significado de um alto, uma borbulha, um gânglio. Gosto de me ver como cuidadosa observadora, mas na verdade temo estar a tornar-me algo obsessiva. 
Vigio-os todos. Tem dois pequenos no dorso, lado esquerdo, que vão e vêem como lhes apetece, e que aparentam ser borbulhas. Tem um gângliozinho no pescoço, por baixo daquele queixo enbigodado, camuflado na camada de pele - este ora aumenta, ora diminui até praticamente desaparecer, para logo voltar novamente. Este quero tirá-lo já. Na última visita à clínica, para a revisão dos 50.000 - como costumo dizer, na esperança de que, com as minhas próprias piadas, aligeirar um pouco o peso que carrego comigo há largos meses, desde aquele primeiro dia - apareceu um outro vulto, parecido com o do pescoço, junto ao ombro direito. Desapareceu 2 dias depois sem deixar rasto. Tenho-me agarrado às pomadas - todos os dias, duas vezes, lá vou eu empomadar os vultos. 

Então, 2013 foi o ano do cancro. 
Para 2014, chegada a altura de fazer os desejos, o que mais quero é saúde, para mim e para todos os que me são próximos. 

Muito do que já vivi fez de mim a pessoa que sou hoje. Não creio que o cancro me tenha mudado demasiado. Só o suficiente para lembrar uma vez mais que é necessário aproveitar todos os dias neste mundo. 

E assim me despeço de vocês, neste ano já velho, e espero encontrar-vos novamente do lado de lá, já em 2014, cheia de esperanças e expectativas e alegria e boa vontade! Que ninguém me tira da cabeça que as pessoas precisam encerrar o ano e começar um novo como forma de voltarem a encher os copos de esperança, e de força, e de ânimo, para enfrentar o mesmo que já enfrentaram anteriormente mas com um pouco mais de idade, seja sinónimo ou não, de maturidade. 

Feliz Ano Novo para todos! :) 

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Doc a todo o vapor :)

Não sei bem explicar porquê mas toda a vida fui assim. Tenho mais impulso para a escrita quando os sentimentos que se abatem sobre mim são negativos. Sinto uma espécie de necessidade de escrever para  reflectir e digerir algumas coisas. Não me é tão fácil escrever sobre coisas boas.

Na verdade, hoje o post é sobre a nossa vida boa nos últimos tempos. O Doc continua bem, retomou o seu ritmo, e a casa voltou ao normal, com tudo de bom que isso tem... e de mau.
Aventuras de quartas à noite, quando chego tarde e se combinam factores de risco para os ataques do Doc à comida. Mãe em casa, cozinhados da Vovó, e descuidos na cozinha! Esta semana foi uma massa de pão crua recheada de tomate, mozarella, azeite, e mais não sei o quê. Estava o tabuleiro pronto para ir ao forno, para me providenciar alimento à hora de chegada a casa (22h30). O resultado: bolachas com queijo para mim, pão cru recheado para o Doc.

Os passeios voltaram a alargar-se e o Doc está novamente em forma. Uma hora e pico de passeio, até ao parque, pelo parque, um momento de liberdade (e de procurar lixo para comer), e volta para casa. Estamos radiantes. O Doc já quer voltar a correr, já está outra vez com vontade de treinar e aprender, e já voltou a solicitar a minha atenção quando estou em casa e lhe apetece... qualquer coisa. Nunca pensei ficar feliz com tal coisa: latidos altos e patas nas pernas quando estou ao computador. Um sentado de estátua, a olhar para mim, calado, com as pupilas dilatadas como só vi em Weimars, aquele ar alucinado que solicita mais e mais de mim! O Doc está de volta.

Quando o comportamento dele começou a mudar, a ficar mais calmo, ainda na fase pré-diagnóstico, só pude atribuir isso à mudança de idade. Vai fazer 7 anos em Janeiro, e achei que estava a amadurecer. Depois veio o cancro, os tratamentos, e tudo continuou igual, piorou com a toma de corticóides, e eu continuava a acreditar que o Doc estava amadurecido. Seriam já sinais da doença? Acho que nunca saberei. A verdade é que agora, findos os tratamentos, está outra vez com o nível de energia do costume, e não posso negar que isso me faz muito, mas muito feliz.

Emagreceu, está agora com o peso ideal. Faz exercício físico e mental, dorme, e come. Come sempre. Claro que está mais maduro. Mas continua com aquela vontade única de interacção, aquele requisitar por mais e mais desafios, e aquela vontade sôfrega de procurar. O meu Narizinhos está de volta, e vamos recomeçar agora os treinos a todo o vapor.
Não sei se já o disse aqui, nem se há necessidade de o fazer, mas ... adoro o Doc. Mesmo muito.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Mais um pedacinho de mim...

Apesar do Doc ser o elemento central deste blogue, hoje lembrei-me, durante um passeio, que talvez pudesse partilhar com todos mais um pedacinho de mim. O mote foi dado quando recebi de uma amiga, que é como uma irmã, um vídeo muito motivador sobre as escolhas da vida, os pequenos projectos.
E então decidi lançar-me de cabeça, e partilhar um pouco mais de mim.

O Doc veio no início de uma nova etapa, que viria a mudar a minha vida para sempre, pelos mais variados motivos, alguns já aqui referidos.
Quando era pequena, queria ser veterinária, como a maioria dos miúdos que gostam de animais. Rapidamente percebi que o que me apaixonava era o comportamento, e acabei por me decidir por tirar psicologia, apesar de todos os avisos acerca da falta de trabalho, e do panorama do país à época, na àrea. Durante o curso, tive paixões por algumas àreas, e percebi que outras não tinham, para mim, qualquer interesse. O comportamento, e a sua modificação foram sempre o que mais me apaixonou, em particular os comportamentos desviantes, e a modificação de condutas.
Quis a vida, por motivos que aqui não irei expôr, que o último ano do curso fosse dos mais difíceis que vivi, a nível pessoal, e assim decidi, com o apoio dos meus Pais, rumar a Barcelona para uma pós-graduação na àrea forense. Cresci, vivi e aprendi nesse ano. E percebi, ao regressar, que o meu país não tinha como me integrar profissionalmente.
A par do meu percurso académico, sempre os cães. Tive o privilégio de crescer sempre com cães em casa, e foi quando terminei o curso e voltei para Portugal que comecei a pesquisar coisas sobre a sua educação e o seu comportamento, sempre numa base livre e auto-didacta, que tem tanto de bom como de negativo, como sabemos.
Foi só hoje, no meu passeio ao frio com os cães, que fiz esta ligação - passei de especialista em comportamento humano a aficcionada pelo comportamento animal em dias.
Lembro hoje, como se fosse ontem, apesar de já terem passado 8 anos, a primeira vez que me cruzei, numa dessas pesquisas desorientadas pelo fantástico mundo da internet, com o termo "Terapia assistida por Animais" - que maravilha!
Estava a passar uma fase de desânimo, como a maioria dos jovens recém-licenciados, à procura do primeiro emprego, estava empregada num trabalho que detestava, mas que cumpria com desvelo, porque sempre achei que, independentemente do que fazemos, devemos fazê-lo com rigor, e sentia que a vida entrava naquele ram-ram que nos leva, suavemente, a passar os anos sem dar por isso.
Decidi então, mudar de vida. Procurei um co-terapeuta, e achava que podiamos fazer tudo com o mínimo de ajuda possível. Iamos os dois, eu e ele, mudar vidas! Fui fazer formação (não parei, desde então!), e foi assim que o Doc chegou à minha vida!
Nessa altura, já levava bagagem de alguns anos de protecção animal, e tive, por uns breves momentos - ou talvez tenham sido dias, semanas - o sonho de conseguir resgatar um cão que me servisse para tamanho lavor. Rapidamente deixei essa ideia cair, porque quanto mais lia, pesquisava, estudava, e a cursos me apresentava, mais percebia que os cães de terapia deveriam ser seleccionados para o efeito, ainda antes de nascer, e depois educados desde tenra idade para suportarem as mais variadas coisas que iriam viver na sua vida de trabalho.
Não queria estender-me muito nisto, para não maçar os meus (poucos) estimados seguidores!
Percebi que tinha que ter um cão de raça, e que os mais indicados eram os Labradores. Desde que conheci a raça "Weimaraner" que tinha o desejo de viver com um, e bastou, numa dessas pesquisas, encontrar um programa de Terapia Assistida com Animais, nos E.U.A., que usava um Weimaraner, para acreditar que era possível, e que sim, já tinha decidido como queria viver a minha vida.
Fui explicando a ideia às pessoas que me eram próximas. A gargalhada contida que mais recordo, e com saudade, foi a do meu Pai, confuso com a ideia! Ainda assim, depois de a explicar, tive o apoio daqueles que mais importavam para mim. Veio o Doc.
Fui buscá-lo, procurei ajuda para o treinar, percebi rapidamente que havia muitas inconsistências nos métodos utilizados, voltei a procurar ajuda, e algures neste percurso, cruzei-me com pessoas que viriam a assumir um papel muito importante na minha vida.
Em jeito de resumo posso dizer que fui abençoada com alguns acaso, felizes coincidências, que vieram enriquecer o meu Mundo!

Desde então, muita coisa mudou. Percebi que queria mudar a minha vida para sempre. Quando, finalmente, tive uma oportunidade a sério para ser alguém, na àrea da Psicologia, um contrato, um salário, decidi largar tudo. Larguei tudo para perseguir um sonho. Coincidiu com a perda do meu Pai, e lamento mesmo muito não ter tido o apoio dele nessa fase crucial - apesar de ter pensado, muitas vezes, no que ele diria, como ele reagiria - já que quando rumei a Espanha, numa licença sem vencimento, para formação na àrea da educação canina, voltei a ouvir a gargalhada! O meu Pai começou a trabalhar muito cedo, com apenas 11 anos. O meu Pai não teve oportunidades de educação e estudos como eu. O meu Pai regozijou-se como ninguém, quando terminei a licenciatura, e tinha orgulho de ter uma filha "Doutora", num país cheio de "Doutores", e outros títulos. Confesso que para mim, esses títulos sempre foram nada. Ou próximo de nada.

O que sempre quis foi ser feliz a fazer o que gosto. Esse "o que gosto" é que foi sendo alterado, com o passar do tempo e com o meu desenvolvimento enquanto pessoa.

Hoje ouvi, no tal vídeo que me enviaram, que nenhuma profissão nos faz completamente feliz. Concordo, temos sempre algo de que nos queixar! Não sei se será cultural, pessoal... sinceramente não me interessa. Eu sou assim, todos os dias me queixo de qualquer coisa. Mas, à noite, quando me deito, sou feliz porque faço aquilo que mais gosto.
Actualmente, dedico-me a 100% aos cães. Construí, ao longo destes anos, e com a ajuda de uma equipa fantástica, que se foi juntando, boas bases para trabalhar em Terapias Assistidas por Animais, inovei, acrescentando outras Intervenções, continuo a inovar, pelo menos na minha mente cheia de ideias e de sonhos por concretizar, e sou feliz.

O Doc não chegou a ser um cão de terapia. Fez algumas demonstrações, tem um bom nível de obediência e um reportório de comportamentos que inveja a muitos. Mas, não gosta particularmente de interagir com pessoas. Não poderia eu pedir-lhe que se dedicasse a algo que não gosta, quando eu mesma tinha lutado tanto para trabalhar no que me apaixona. Quem diria que, anos mais tarde, conseguisse eu concretizar o meu primeiro sonho, e resgatar um animal necessitado, sofrido, que viesse a dar tanto, a tanta gente. Esse lugar é do Cusca - com quem trabalho nas Intervenções Assistidas por Animais.

Descobri uma paixão ainda maior do que estudar o comportamento humano, e dediquei-me ao comportamento animal, em concreto, dos cães. Dedico-me a isso actualmente, a nível profissional, a par das terapias. Tenho orgulho do meu trabalho, comovo-me com os progressos daqueles com quem trabalho, irrito-me com a falta de condições para trabalhar em alguns casos, canso-me, queixo-me. Mas, no fim do dia, sou uma pessoa realizada. Quero sempre mais, e procuro sempre melhor, não pela competição, não pela concorrência, pelos cães. Por eles e pela sua vida, melhor!

Não sou rica nem ganho muito dinheiro. Às vezes as contas apertam, e faço esforços, como toda a gente. O país está numa fase complicada, precisamente há tanto tempo quanto decidi arriscar, e mudar de vida. Mas aqui me vou aguentando, à espera de dias melhores, vivendo daquilo que me dá mais prazer, e sentindo-me cada vez mais eu própria, mais confiante, e permitindo-me, claro, sonhar mais alto.

Talvez este post vos surpreenda, talvez não. Talvez pareça algo egocêntrico, mas não foi com essa intenção que o escrevi. O que vi hoje, no vídeo que me enviaram, foi tão inspirador, que achei que mais gente devia ter conhecimento de casos de sucesso, de trabalhos que apaixonam, de seguirmos o nosso coração, de seguirmos o que nos guia de verdade. Porque o caminho não é fácil, é cheio de curvas apertadas e pedras no caminho, mas, na verdade, é imensamente recompensador. Para mim está a ser. O melhor caminho que podia ter escolhido, para esta minha passagem pela vida. No regrets. Se mudaria alguma coisa? Talvez tivesse arriscado antes.

Então, a minha mensagem pretende hoje ser de coragem, impulsionadora para quem esteja numa fase repleta de dúvidas, sem saber se há de se ficar pelo certo, ou decidir pelo incerto. Seja qual for a decisão, sigam o vosso coração, e acreditem!

terça-feira, 12 de novembro de 2013

O Ritmo do Doc

O Doc recomeçou a marcar o seu próprio ritmo. E nós, novamente em readaptação.
O Doc sempre foi único: na sua forma de estar, na sua vontade, na sua velocidade e na sua capacidade de se impor.
Várias vezes me venceu pelo cansaço, e é de orgulho ferido, mas sem qualquer grama de vergonha que admito que ainda hoje o consegue fazer. Rio-me demasiadas vezes da sua expressão, do seu beiço trilhado, das suas vocalizações. O Doc é mesmo capaz de comunicar, isso é certo. Creio ter-me esquecido de o ensinar a desistir. Deveria tê-lo feito?

O Doc é muito especial para mim, já aqui o referi vezes sem conta. Ás vezes chateio-me, porque não consigo terminar determinada tarefa apenas porque decidiu que está na hora de ir passear, ou de comer. Com o tempo, fomos melhorando a nossa capacidade de comunicação, e atrevo-me a dizer que já sabe esperar. Não sabe é desistir. Voltamos ao mesmo, voltamos atrás.

Toda a minha forma de entender os cães hoje, e de lidar com eles no quotidiano se reflecte neles, obviamente. E percebo tão bem todas as qualidades que ele tem, às quais um dia chamei defeitos, que hoje nos fazem rir e trabalhar em equipa: Procurar em vez de roubar, esperar para conseguir, acalmar para brincar. Aprendo muito com os meus cães. O Cusca é um excelente professor, dá-me tempo para absorver o conhecimento, reflectir sobre ele, e aplicá-lo. Já o Doc tem um ritmo alucinante.
E, pensando bem, não foi ele que me transmitiu esta rapidez toda?
Sou uma "thinker", não uma "doer" - mas o Doc tem-me ajudado a ser ambos, num peso diferente daquele que seria natural em mim.

Obrigada, Doc.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Última sessão de quimioterapia!!!!

Estou radiante. Tão feliz que não consigo descrever.
Foi hoje a última sessão de quimioterapia do Doc. Saimos da clínica e tive uma descarga! Fui a correr com ele até ao carro, apetecia-me gritar bem alto que tinha acabado, festejar com ele e com o resto da família, eu sei lá.


Sei que esta história não vai terminar aqui. Mas esta temporada, cheia de episódios repletos de emoções, terminou. Se fosse uma série televisiva seria este o último episódio.

O Doc está bem. Já há umas semanas que noto que anda mais enérgico, com mais vontade de fazer coisas, menos cansado, mais "ele". Pareceu-me, quando ele começou a mudar novamente, que o tratamento estava finalmente a fazer efeito, e que tinha o Doc de volta. Até tenho medo de escrever isto, mas parece que a nossa vida voltou ao que era A.C. (antes do cancro).

Não vou parar de escrever no blog, vamos continuar com as nossas histórias e com as nossas emoções, mas talvez a um ritmo mais brando, não sei, tudo irá depender do ritmo a que forem sendo viradas as páginas das nossas vidas.
Tenho que agradecer-vos, uma vez mais, por todo o apoio que temos recebido, um pouco de todo o mundo. Foram todos de uma grande ajuda, e mesmo que não pareça, simples palavras podem consolar, dar ânimo, e ajudar a manter as forças. Muito obrigada a todos os fãs do Doc, em nome dele, e no meu. :)

Aqui fica a foto da última sessão do Doc, bem comportado, como sempre, tranquilo enquanto recebia a droga e o soro. Tive tanto medo de ter errado, de não ter decidido bem, e hoje a minha maior prenda é saber que sim, que tomei a decisão acertada. O Doc está bem e vamos virar esta página hoje.






domingo, 13 de outubro de 2013

Mais um soco no estômago.

Porque é literalmente o que sinto cada vez que aparece qualquer coisa ao Doc.
Seja um novo alto, uma ferida estranha, ou qualquer outra alteração.
Comecei até mesmo a fazer o exercício de desvalorizar, e percebi agora que isso não pode nunca acontecer.

Há uns dias, o Doc começou a ficar com a pálpebra inchada, mesmo no local onde removeu, há um ano, o melanoma. Como anda mais alérgico, em geral, e com os olhos inflamados devido às alergias, tentei desvalorizar. Ao terceiro dia, decidi que se calhar não devia. Continuava a crescer.

Dia 11 de Outubro foi o meu aniversário. Tinha tirado o dia para mim e planeado uma série de coisas que me dão prazer para fazer. A agenda começava pela manhã, levando um cão resgatado ao veterinário para seguimento das suas feridas, e depois continuava assim: iamos, eu, o Miguel, e os cães, caminhar até à praia, e almoçar na esplanada depois de umas corridas com os cães livres junto ao mar. Depois voltávamos para casa, onde ia relaxar no sofá a ler um livro, com as pernas quentes dos cães junto a mim aninhados. E depois iamos jantar, só os dois, em jeito de comemoração tranquila, já que o dia seguinte era cheio de trabalho.
Não foi nada assim. Na visita à clínica, com o cão que a minha Mãe salvou, decidi mostrar a fotografia do olho do Doc à minha querida veterinária. E ela já não precisa de dizer muito, não gostei do que li na cara dela. E foi assim que combinamos que teriamos que fazer uma punção para citologia ainda naquele dia, e que por isso o Doc teria que ficar em jejum até ao início da tarde. Os meus planos de passeio à beira-mar foram por àgua abaixo. Comecei a pensar que não precisava de ter um dia de aniversário perfeito, e que não queria prenda nenhuma, a não ser que a citologia trouxesse bons resultados.
E assim lá fui, levei o Doc para fazer a picada, e trouxe-o para casa, onde ficamos todos no sofá a descansar.
Tentava manter-me positiva, para atrair bons resultados, mas não consegui.
A sensação de soco no estômago foi substituida por aquele nós na garganta ao qual já me habituei, mas que continuo a detestar.
Voltou a espera. Fiz exercícios para não ficar ansiosa. Mentalizei, meditei, respirei fundo, e ajudou.
Á noite decidimos manter o jantar, e aí veio a melhor surpresa do dia. A minha Mãe tinha vindo para jantar comigo, e não aguentei. Descarreguei, chorei, ri, comi bem, bebi bem, e tentei mentalizar-me que, independentemente do resultado, tinha que manter-me positiva.

Cada vez que isto acontece vem tudo ao de cima. As dúvidas, as incertezas, a falta de clareza para tomar decisões, as saudades do que ainda está presente, as saudades do que já partiu, as reflexões sobre a vida nos vários quadrantes, e começa outra vez a ser difícil carregar no stop da minha mente.

Felizmente os resultados trouxeram boas notícias. Aparentemente trata-se de uma reacção por corpo estranho, e o Doc vai ficar bem. O Doc tem que ficar bem.

Esta vida com o cancro é cheia de altos e baixos. Qualquer pequena vitória tem que ser celebrada com excitação e todos os pequenos revés têm que ser tratados com cuidado e ponderação. Não posso desanimar, não quero desanimar, e também não quero ficar demasiado confiante, nesse caso a queda será maior. Não quero cair, não para evitar a queda, mas porque isso significaria que não teria o Doc comigo.
O Doc está bem, continua alheio a tudo isto, e para ele o mais difícil daquele dia foi ter que adiar a hora da comida. Vida de cão... que invejo por vezes, porque a ignorância torna-nos tão mais felizes...

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Cicatrizes e outras marcas...

Quando era pequena gostava muito de cicatrizes. Criança travessa, tive que aprender a gostar, senão não teria sido possível crescer com auto-estima.
Sempre achei que me davam charme. Talvez agora isso tenha mudado um pouco, depois dos 30. Mas não o suficiente para mudar de ideias. Continuo a vê-las, a todas, como experiência de vida, que adquiri quando fiquei marcada. Os lábios abertos, o de cima, e o de baixo, o sobrolho cosido a agulha e linha, a frio, por uma freira, a mão aberta a dentes, o nariz partido, duas vezes, o queixo aberto, tantas vezes que nem lembro, a ruptura de ligamentos no braço, o menisco, e os golpes da cabeça... o couro cabeludo esses ajuda-me a esquecer.
O Doc não lembra nenhuma das cicatrizes que tem, não as valoriza, nem alguma delas afectou a sua auto-estima. Há dias fiquei a pensar neste tema, depois de uma troca de emails com uma "amiga" - Sim, Cristina, é mesmo para si! - que conheci por causa do Blog do Doc. Valorizaremos nós demasiado o aspecto dos nossos animais? Sei que o que preocupava essa minha nova amiga não era a cicatriz em si, mas a cirurgia (talvez desnecessária), que a causou.
Também eu gostaria de ter poupado o Doc a tantas intervenções cirúrgicas, a tantas anestesias, a tantas cicatrizes.

Mas, para mim, as marcas com que fiquei fazem parte da minha história, do que sou, daquilo em que me tornei. Inevitavelmente minhas. Com ou sem pontos, marcas por todo o corpo que registam a minha passagem por este mundo, e a minha interacção com ele.
Para o Doc as cicatrizes são agora maiores, e mais visíveis, já que devido à quimioterapia, o pêlo teima em não crescer. Não me importo. Quando as observo, vejo que se tornaram também em marcas da minha vida, da nossa experiência comum nesta luta contra o cancro, que decidi um dia expôr publicamente através deste blog. Só que as cicatrizes dele não irão permancer em mim como as minhas. Irão desaparecer com ele, e aí, em mim, do Doc, vou apenas ter uma mini-cicatriz na cara, de um dente que me espetou quando era cachorro. E é uma das minhas preferidas. Mostra que ele passou por mim, ou eu por ele, e que algures no tempo, co-existimos.

Com, ou sem cicatrizes, o Doc é lindo. E todos os cães e outros animais como ele, que passaram por experiências de dor, todos eles têm cicatrizes. Umas mais visíveis, outras menos. Mas sabem que mais? Diz-me a experiência de anos e anos a resgatar animais em risco que as cicatrizes exteriores são as mais fáceis de sarar, e de esquecer.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Alguma coisa mudou.

Não sei o que foi. Mas o cancro já não está tão presente em mim. Consigo já dedicar-me a outras coisas, em pleno, sem ter aquele zumbido sempre na cabeça.
O Doc continua na mesma, e não há nada que me faça pensar que posso descansar tranquila. No entanto, alguma coisa mudou. As sessões de quimioterapia mais espaçadas também contribuem para afastar a névoa que a ideia, por si mesma, carrega.
O Outono chegou, e é uma das minhas épocas preferidas do ano. Posso voltar às caminhadas na praia, agora livre de gente com os seus perigosos lanches. Já tenho marcação na agenda para domingo. Praia de manhã e voltamos à rotina. O Doc vai correr, não lhe vou pôr o açaime, vou antes brincar com ele e ter a certeza que não se distrai com um qualquer lixo que apareça. Faça chuva ou faça sol, lá estaremos, mas tudo indica que chova.

O Doc não gosta de chuva, e agora, no final de tarde de uma sexta-feira chuvosa, o seu comportamento indica isso mesmo. Estiveram ali os dois a brincar, ele e o Cusca, rebolando no chão e dando os saltos mais amplos que a minha pequena sala permite. E é nesta alturas que gostaria de ter uma casa maior. Não podemos, quando chove, dar os nossos longos passeios no parque, e muitas vezes ele recusa-se a sair pela porta do prédio. Mas eu, eu adoro o Outono, quer chova, quer não.
São as cores, os odores, as folhas secas no chão. Os amarelos que se tornam verdes nas ervas, e os verdes que se tornam amarelos nas folhas das àrvores. Tudo muda! A humidade no ar que dá um novo cheiro a tudo, o vento que traz mais a maresia até cá a casa, o orvalho pela manhã. Mas não gosto particularmente de chuva.

Muitas depressões cíclicas têm o seu início no Outono. Eu funciono ao contrário. Há menos gente na rua, menos gente nas praias e no parque. Podemos, por isso, eu e os cães, andar mais à vontade.
O cancro permanece comigo, e com o Doc, imagino, embora tenha uma vã esperança que só exista, agora, na minha cabeça. Tenho vindo a mentalizar-me que estes eventos importantes da vida servem, no mínimo, para reflectirmos sobre a importância das coisas, e acredito, sinceramente, que possam trazer algo de bom às vidas que tocam. Quando soubemos, foi um choque.
Acho que posso agora fazer um balanço do processo: lágrimas, desespero, impotência, estudo, recolha de informação, investigação, consultas várias, lágrimas, desespero, o peso da tomada de decisões, a tomada de decisão em si, as alterações à rotina, a preocupação aumentada, o carinho, o amor, os tratamentos, os curativos em casa, a medicação, os abraços, as brincadeiras, as preocupações, as veias, a comida, os facilitismos, a preocupação, as saudades antecipadas, a ansiedade, o terror, o medo, os carinhos, as sestas a dois, a habituação, a adaptação, e aqui estamos. Numa vida com cancro mas já mais adaptada. A vida continua, e o seu andamento acelerado contribui para uma maior capacidade de adaptação. Somos seres humanos, habituados a evoluir, e nisso estou. A mentalizar-me que esta mudança não tem a ver com despreocupação, com desleixo, nem com menos amor, menos medo.
Continuo a ter medo, mas alguma coisa mudou. Aprendi a viver com o cancro do Doc, e espero que isso também mude em breve, e que seja necessária, da minha parte, uma nova adaptação - desta vez à nova vida do Doc, cancer free.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Durante muito tempo, fomos só os dois...

Os meus gatos que me perdoem, porque os adoro.
Mas durante muito tempo fomos só os dois, o Doc e eu.

A Mimi e o Rosca (um simpático furão que preencheu os meus dias durante 6 anos) também eram importantes, mas na verdade, um cão é um cão.

O Doc fez-me companhia, adorou-me, motivou-me, fez-me caminhar, correr e querer mais. Mostrou-me como é diferente ter um cão totalmente dedicado a mim, já que até à sua chegada só tinha convivido com cães "de família". O Doc tornou-me a sua pessoa e como já aqui disse antes, uma pessoa melhor para os outros. Para os outros cães, para as outras pessoas. Simplesmente melhor.
Devo-lhe essa dedicação em dobro, no mínimo. Porque durante o tempo em que fomos só os dois, o Doc preencheu vários vazios que se iam apoderando de mim.

Amanhã temos nova sessão de quimioterapia, e o cenário repete-se. Parece que foi ontem que começámos, mas cada sessão é tão igual à outra, que parece que o tempo não passa. Que estranho. Já não estou tão ansiosa, porque o vejo bem, em geral. Há aspectos que atribuo ao envelhecimento, e que podem ser consequência da quimio ou até da doença. E vice-versa.

Quando éramos só os dois, passamos por muitas coisas. Vivemos bons momentos, momentos excelentes, mas na verdade, o que mais marca são os piores. Nunca compreendi bem porque é que o ser humano parece valorizar, e lembrar, mais os maus momentos do que os bons. Tenho a certeza que os cães não. Os cães valorizam os bons, nunca se esquecem de uma boa experiência, e ultrapassam os maus momentos, em geral, de uma forma que creio que nenhum humano seria capaz.

Os nossos "maus" momentos, foram essencialmente dois. No primeiro, o Doc era apenas um cachorro a entrar na puberdade, e mostrou uma maturidade que não esperava dele. Tendo crescido sempre a exposto a vários estímulos e diferentes pessoas, nunca o Doc tinha sentido necessidade de me proteger. Até ao dia em que sentiu. Não exagerou. Não foi demasiado gráfico. Fez peito, arreganhou os dentes, e emitiu um som semelhante a um rosnar, mas que nunca mais ouvi desde então. Passaram 5 anos e qualquer coisa. E nunca mais o vi assim. Foi o suficiente para mostrar, a uma pessoa que conhecia bem, que o limite era ali, naquele momento. Estou-lhe muito grata. Na altura não tinha eu a maturidade para tratar do assunto por mim mesma, sem um empurrãozinho. O Doc foi o meu empurrãozinho.
No segundo mau momento, o Doc não fez nada. Limitou-se a estar. Quando recebi a notícia de que o meu Pai tinha partido, estava longe, e com o Doc. O Doc não fez nada. Enquanto eu gritei, chorei, esperneei, e apatizei. O Doc continuou apenas a ser o Doc. A existir ali ao meu lado. A tentar chamar a minha atenção, a dormir, a comer, a lavar-se. E era o que eu precisava naquele momento. Que pelo menos uma parte da minha vida se mantivesse livre de mudanças. O Doc não ia mudar. O meu Pai não ia voltar mais, mas naquele dia soube, pelo Doc, que a vida iria continuar tal e qual como era.
Sim, estou a imaginar as vossas expressões neste momento. Não critiquem, por favor. Não, o Doc não me ajudou a superar a perda do meu Pai, isso nunca se "supera". Não, não estou a enlouquecer. Simplesmente me mostrou, naquele dia, pela forma como o dia dele continuou igual a antes, que a vida teria que continuar para mim. Nunca foi igual a antes. Nem será. Mas continuou.

Por isso... É-me muito difícil imaginar a vida sem o Doc MAS sei que, quando o momento chegar, a vida para os restantes de nós terá que continuar. Mas nunca mais será como até ali.




sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Estar longe

Hoje estou longe do Doc. Estou longe de tudo.
Hoje não houve quimioterapia de manhã, como em todas as últimas 8 sextas-feiras.
Hoje, apesar de ser sexta-feira 13, o dia começou sem quimioterapia, e fomos comemorar com um passeio no parque, daqueles que o Doc adora.
Fomos cedinho, porque tem estado calor, e agora o calor afecta-o mais. Passeamos, e depois comecei os preparativos para mais uma viagem para Madrid, desta vez sem cães.
Por isso hoje aqui estou, sozinha, sem cães, sem pêlo e, como sempre que isto acontece, com uma sensação de vazio estranha.

Já passou algum tempo desde o susto do tumor que não foi totalmente removido, nem à primeira, nem à segunda cirurgia. Já passei muitas horas na clínica, onde sempre nos trataram acima de bem, sentada, deitada, no chão, no sofá, a ler-lhe, a segurar-lhe na cabeça, a mandá-lo constantemente "deixar" o catéter em paz. É com lágrimas nos olhos que recordo o dia em que decidi avançar com a quimioterapia. Nunca fui grande apologista do prolongamento da vida para simplesmente, ganhar algum tempo, e custou-me a perceber que talvez com o Doc pudesse ser diferente.

Cada vez mais acredito que sim, que está a ser diferente e que pode ser diferente.
Esta semana partiu uma amiga da família, vítima de cancro. Teve a sorte de não ver a sua vida prolongada, e de conseguir partir antes de que o sofrimento profundo se apossasse dela, da família, dos amigos. Vou recordar para sempre a sua gargalhada, e o seu sorriso. A grande senhora que partiu está agora num outro sítio, melhor.

Portanto, quando o Doc partir, também irá para esse sítio, melhor. Egoísta eu, que quero prendê-lo a mim tanto quanto posso, e não quero sequer pensar na hipótese de o deixar ir. Mas, hoje, decidi escrever aqui, para quem ainda tenha dúvidas, que não vou deixar o Doc sofrer para lá do razoável. E qual é o razoável? Acho que só vou saber quando chegar a altura. Acho que vou perceber. Sei que ele vai arranjar uma forma de me dizer que já chega. Ou, pode ser que não seja preciso!!
Que dure muitos anos, e que morra de ataque cardíaco durante o sono quando tiver quase 18 anos. Que sonho bom.
Seja como for, quero frisar outra vez, aqui como em tantas outras conversas, que não tomei esta decisão por egoísmo, mas por achar que o Doc ainda pode ter qualidade de vida.
E o decorrer do tratamento só me tem dado razão, e força para continuar.
A partir de agora as sessões são quinzenais. E nós continuaremos a celebrar a vida todos os dias. Ou a tentar, porque às vezes é fácil esquecer de o fazer.

Hoje, longe da minha família, agradeço ao Miguel por me deixar partir tão sossegada, sabendo que ficam todos os 6 bem, uns com os outros, e que não falha a dose de ração, nem a medicação, nem há descuidos na rua. Mig, confio em ti como em mim. Não é fácil.

Acabo este post muito grata pela família que tenho!
Bom fim-de-semana!

sábado, 7 de setembro de 2013

Como o Doc mudou a minha vida...

Ontem, depois da oitava sessão de quimioterapia, cheguei a casa com o Doc para uma tarde só para nós. Estava de folga, rendi-me à preguiça, e deitei-me com eles no sofá. Ali estivemos algum tempo, fomos passear, e voltamos a casa para trabalhar um pouco. Sim, nos meus dias de folga também se trabalha!

Então, dei comigo a pensar na pessoa que sou hoje, e como é que me tornei assim, e reparei que grande parte do que sou agora se deve à presença do Doc, e depois do Cusca, na minha vida. Deixei-me ficar um pouco nesse pensamento, reflecti, lembrei alguns episódios, e decidi não partilhar aqui no blog muitos deles, por serem demasiado pessoais.

Hoje de manhã, agora há pouco, uma amiga partilhou um link no Facebook, que fui espreitar, e que acabou por me mostrar muito da minha reflexão pessoal de ontem. Que realmente, os meus cães alteraram a minha vida por completo. E o Doc foi o primeiro.
Quero que sejam felizes; quero promover o sucesso; quero que tenham vontade de aprender e de me agradar; quero que saibam como obter, de forma adequada, o que pretendem; quero saber o que pretendem em cada momento das suas vidas (ainda que neste momento seja apenas uma boa sesta repleta de ressonares no sofá - até gostava de partilhar a banda sonora que me acompanha na escrita!), para poder usar isso para promover a sua aprendizagem.
Muitos amigos me dizem que o Doc me tornou algo hiperactiva. Posso concordar com parte disso. Na verdade, os meus dias são maiores, faço muito mais coisas, estou muito mais proactiva, aceito todos os desafios, e encaro tudo com um sorriso. Gosto de agradar as pessoas, sou mais alegre, e acredito nas minhas convicções e no que defendo, sem entrar em guerras de palavras para defender demasiado aquilo em que acredito. Respeito as opiniões do outros, e continuo a ouvi-las, porque às vezes podem mudar a minha forma de ver as coisas.

O Doc impulsionou o meu estudo do comportamento canino, e da ciência por trás da sua aprendizagem. E com isso, fez de mim uma pessoa melhor. Como?
Deixo-vos aqui o link, e recomendo a visualização do vídeo da Susan Garret, apenas porque pode ajudar-vos:
http://susangarrettdogagility.com/2013/09/the-two-sides-of-dog-training-the-right-and-the-wrong-way/
Adequado mesmo para quem não aprecie a àrea de Dog Training, acreditem.

E, porque nem todos os dias são bons, também é preciso por vezes parar, reflectir, chorar se for preciso, e voltar a levantar a cabeça, sacudir a poeira, e andar. É isso que faço. Over and over again. E enquanto tiver Doc(s) na minha vida, isso é muito mais fácil.

De volta ao cancro, e à quimioterapia: ontem foi a última sessão semanal. A partir de hoje as sessões tornam-se quinzenais, e não tarda muito, acabam. O tratamento, que vi como um bicho de sete cabeças, afinal está a correr bem, e o Doc faz uma vida normal. Na esperança que assim continue por muito tempo, deixo-vos hoje, com os votos de um excelente fim-de-semana.


domingo, 1 de setembro de 2013

Sessão nr. 7

Na sexta-feira foi a sétima sessão de quimioterapia do Doc.
Continuo a receber mensagens a perguntar como ele está, e hoje decidi partilhar convosco as mais recentes notícias do seu estado.

Depois da infecção que teve na pata, derivada de uma dermatite causada pelo adesivo que prende o catéter, o Doc teve que tomar antibiótico durante algum tempo e mantivemos a cortisona para ajudar a tratar aquele "detalhe". Por esse motivo só retiramos totalmente a cortisona na sexta sessão, isto é, há uma semana.

A pata está quase boa, e já anda sem colar a maioria do tempo. A outra pata, no local do adesivo, tem reagido bem ao tratamento preventivo que tenho aplicado. Desde que parou de tomar a cortisona, o Doc melhorou significativamente. Já não o vejo tão cansado, nem tão ofegante, nem a beber tanta àgua, nem a fazer tanto xixi.
A única coisa que permaneceu foi a fome. Continua cheio de fome, e a cravar comida a toda a hora.

Parece que voltei aos tempos da sua infância, em que as refeições à mesa são acompanhadas de uns longos olhares de súplica, uns fios de baba a escorrer, e ocasionalmente uns latidos desesperados.

Já parou de perder peso, o que também é um bom indicador. Já voltou a ganhar algumas gramas, e por isso já voltou à dose normal diária. As análises desta semana indicam que tem os valores todos quase normais, tendo ultrapassado totalmente a ligeira anemia.

Isto são factos.
Quanto a nós, a nossa vida nunca mais foi a mesma. Tenho excesso de preocupação com ele, não o deixo explorar tanto na rua como antes, e dou por mim a mimá-lo em excesso. Festinhas enquanto dorme, abraços quando permite, deixo-o saltar para cima de mim se quiser, e por aí fora. Resumindo, estou a deseducar o Doc. Tenho perfeita noção disso, quero contrariar a tendência, mas não consigo.
Não sei quanto tempo tenho com ele, e quero dar-lhe o melhor de mim. Será assim tão estranho? Racionalmente, sei que o melhor para ele é manter as regras, manter as rotinas por isso tenho que me portar bem. Não há mais cantos de pizza para ele depois de jantar. Está decidido. O melhor para ele. Não o conforto que me faz sentir melhor por lhe permitir navegar por mares antes proibidos.

Para a semana será a última sessão semanal. A partir daí, as sessões espaçam-se e passam a ser quinzenais. Alívio. Está quase a acabar. Semanalmente tenho reflectido, durante aquelas horas que ali passo com ele, sobre muita coisa. E uma das coisas que sempre me ocorre é que pouca gente estará na disposição de ficar com os seus animais durante as sessões. No início tive dúvidas, lembram-se? Agora tenho a certeza que o melhor para ele é que eu esteja ali ao seu lado.

O Doc é muito esperto, e já percebeu tudo. Já sabe que tem que chegar, subir para o sofá, entegar uma pata ou a outra ao catéter, e permanecer ali relaxado, até que a sua veterinária aparece com um dentastix no bolso, que tenciona sempre dar-lhe depois de retirar o sistema de soro, mas que acaba sempre por dar assim que entra na sala - porque ele não aguenta esperar!

Continua a ficar feliz da vida ao chegar à clínica, a arrastar-me desde o carro até à porta, e a querer entrar por ali fora como se fosse tudo dele. Não deixa de me surpreender que, indo ali semanalmente para longas sessões de quimio, e mais algumas para tirar umas porções de sangue para análise, que ainda goste do local, das pessoas, e que não perca o seu ar alucinado se a porta não se abre mal chegamos.
O Doc gane no carro quando chegamos à praia, a casa da minha Mãe, ou... à clínica. Surpreendente.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Sobre os custos da quimioterapia

Uma das informações que tive mais dificuldade em encontrar quando iniciei este processo de pesquisa sobre os vários tratamentos possíveis foi sobre os valores envolvidos.
Suponho que isso tenha bastante peso na decisão de muita gente.

Então decidi escrever sobre os custos da quimioterapia, querendo deixar a importante ressalva que os valores são meramente indicativos e que concerteza dependerão de muitos factores tais como: os medicamentos a usar (protocolo), a técnica de aplicação, o país em que é realizado o tratamento, e a clínica veterinária que presta o serviço. Não irei ao detalhe, irei arrendondar valores, apenas para que quem inicia agora o processo possa ter uma indicação.

Para mim os valores nunca foram o mais importante. Não sou abastada financeiramente, mas pelo Doc estava disposta a pedir empréstimos, matar-me a trabalhar, fazer de tudo o que tornasse possível o seu tratamento.
Outra questão importante é saber se o animal tem seguro de saúde ANTES de ser diagnosticado o processo tumoral.

Voltando ao nosso caso: o Doc tem seguro de saúde desde sempre, e até agora o mesmo tem coberto os tratamentos todos. Claro que pago uma franquia por cada "evento" mas tem sido muito importante para mim poder contar com esta ajuda da seguradora. Assim, recomendo vivamente que toda a gente faça um seguro de saúde ao seu animal. É mais uma despesa anual, mas que poderá fazer a diferença caso o animal venha a precisar de intervenções dispendiosas, que poderão ser difíceis de enfrentar por qualquer família.

Desde que iniciamos o tratamento, cada sessão semanal de quimioterapia ronda os 50€. Quinzenalmente fazemos análises para verificar uma série de coisas, pelo que o valor aumenta.
Mensalmente tenho gasto cerca de 300€ com o Doc entre sessões de quimio, análises, medicação oral, produtos variados para enfrentar as dermatites e alergias, etc.
É um peso no orçamento, claro está. Daí que o meu post de hoje seja sensibilizar a população em geral para contratar um seguro de saúde, que venha a facilitar o tratamento de qualquer situação que surja.

Tenho visto demasiadas pessoas que não têm posses para cuidar devidamente dos seus companheiros de vida, e achei que fazia parte da minha missão abordar este tema.

Outros tratamentos poderão ser mais caros.
Lembro-me de ter feito contactos variados para tentar saber se era possível aplicar radioterapia ao Doc, ainda que para isso tivesse que sair de Portugal. Na altura fiquei a saber que o local mais próximo onde é possível fazer esse tratamento é em Paris, e que um dos centros mais utilizados da Europa é na Holanda. Nenhum destes locais foi uma possibilidade real para mim.
A radioterapia não está disponível em Portugal para animais de companhia porque é um tratamento muito dispendioso, que tem pouca procura, e que é difícil de rentabilizar, já que a construção de um centro para radioterapia fica por uma verdadeira fortuna, para assegurar a segurança da aplicação de radiações.
Noted. Vai para a minha longa lista de coisas a fazer quando for rica: criar um centro de radioterapia em Portugal, para animais de companhia, que pratique preços acessíveis para que seja uma terapêutica ao alcance de todas as pessoas que queiram ajudar os seus companheiros de vida.
Quem sabe um dia... A lista é longa, mas mantenho uma esperança muito ténue de que um dia me seja possível aplicar todas as ideias que tenho e que poderiam, realmente, fazer a diferença na vida de muitos animais.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Pouco tempo para o Doc

Em alturas de maior trabalho, não consigo deixar de me sentir culpada por ter menos tempo para os meus cães. Sou uma afortunada por ter um trabalho que me permite dedicar algum tempo diariamente aos meus animais, normalmente tempo de qualidade. No entanto, há alturas em que isso não é possível, e passo a ser uma pessoa comum, com horários de trabalho normais, e os meus cães ficam sozinhos em casa horas a fio.
Por passar muito tempo com cães de outras pessoas, o sentimento de culpa torna-se um pouco maior. Dedico grande parte do meu tempo a ajudar outros cães, muitas vezes sob prejuízo dos meus. Mas são apenas fases.

De manhã saio para as sessões de Terapia Asssistida por Animais com o Cusca, e o Doc fica sozinho, mesmo sem o irmão. Já está habituado, e normalmente dou-lhe um osso, mas a mim custa-me sempre.
Mais agora. Queria aproveitar todos os momentos com ele.

O Miguel tem sido uma ajuda mais do que preciosa. Os dois com empregos de horários irregulares, às vezes ficamos satisfeitos quando os nossos horários não nos permitem estar juntos, porque são incompatíveis. É que, se não estamos juntos, os cães passam mais tempo com companhia. Quantas pessoas haverá no mundo a pensar desta forma? Quantas pessoas levariam a mal um raciocínio destes? Nós não. Somos felizes assim.

Tenho tido muito pouco tempo para me dedicar a trabalhar com os meus cães, menos ainda com o Doc. Tento pensar que por estar doente não precisa de parar de trabalhar, leio posts de cães doentes, idosos, ou a enfrentar tratamentos que fazem treinos específicos adaptados à sua condição, mas a mim falta-me motivação. Tenho todo um exame para preparar com o Doc, para apresentar e passar (espero) o nível CAP3 da Learning about Dogs mas tenho deixado isso para trás.
Confesso agora aqui que é porque penso que não vou ter tempo suficiente para trabalhar todos os critérios. Alguns estão começados, foram começados antes desta aventura com o cancro, mas depois do cancro deixo-me abater pela incerteza, e a preguiça instala-se. Não quero trabalhar em vão. Depois, racionalmente, começo a pensar que nada será em vão. Que o caminho não será para nada, porque parte do objectivo deste sistema é "to enjoy the process, having fun with the process". E nós tinhamos isto tudo. E se não conseguirmos, teremos para sempre o processo, e as alegrias do mesmo. E nunca poderá ser tempo perdido. Então, porque raios é que não consigo fugir do sofá quando tenho 30 minutos livres, e pegar no material de treino? Permanece uma incógnita.
Estou em processo de racionalização.

E é com a sensação de ter pouco tempo que hoje termino esta página. Porque o tempo é pouco e tenho que ir. O cancro faz o tempo parecer diferente. Ora devagar, ora rápido, parece passar sempre da forma que menos nos convém.

domingo, 18 de agosto de 2013

Há dias bons!

E hoje o dia foi bom!
Conseguimos fazer a nossa caminhada mais longa, e o Doc sem sinais de cansaço. Um pouco mais de 5kms, ir até ao mar e voltar. Parámos para almoçar, e para o Doc descansar, mas não teria sido necessário.
A descida das doses de cortisona tem ajudado bastante. Tenho para mim que os efeitos que notei são mais produto da cortisona do que dos restantes químicos. A infecção na pata está controlada e a melhorar, e o dia foi feliz.

Nunca gostei de domingos. Dia em que nunca gostei de sair, por haver gente a mais na rua, a infestar os  locais mais agradáveis com ruídos, lixos, odores e outras coisas igualmente desagradáveis. Para mim o domingo é em casa, com quem quiser aparecer, mas de preferência só com os residentes. Preguiçar e pôr em dia trabalho atrasado durante a semana sempre me pareceram boas formas de ocupar os domingos. Durante o Inverno, as manhãs são na praia, com os cães. Porque tanto eu, como eles, gostamos mais de apreciar a maresia sem pessoas.
Hoje, porém, decidimos variar, e saímos ao final da manhã em direcção ao mar, para almoçar numa esplanada. O dia estava agradável, solarengo e não demasiado quente. A caminhada a 4 fez-se com muito prazer, paramos lá em baixo para almoçar, deixei-me seduzir por uma maravilhosa tarte de leite condensado, e seguimos para cima.

No caminho de volta, só havia um tema: O Doc, e que bem que ele estava. Como não estava cansado, como tinha estado bem durante todo o passeio, como continuava bem disposto.
E descobri que é só isto que desejo. Não peço muito mais. Estarmos todos bem, apesar das dificuldades da vida, e que possamos aproveitar alguns domingos, muitos passeios, e muitas alegrias.

Porque realmente, às vezes valorizamos demasiado coisas completamente ridículas. E essa sobrevalorização prejudica toda a nossa vida, torna-nos incapazes de apreciar as coisas mais simples, e quase dormentes aos pequenos sucessos. Mas não são os pequenos sucessos responsáveis por grandes passos e conquistas? A minha reflexão de hoje é cheia de entusiasmo e positivismo. 'Bora encarar a vida de outra forma, ultrapassar todas as pedras do caminho, e aproveitar os momentos bons, ainda que não estejam encharcados de sucesso, de adrenalina, de coisas muito boas??
Bora.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Novas análises

O Doc fez hoje novas análises. Mantém-se tudo bem, à excepção de uma pequena anemia.
Vamos juntar mais um medicamento à caixa.

A nossa rotina alterou-se bastante, e não tenho escrito muito sobre isso porque dói. As manhãs e as noites são repletas de medicação e limpeza da lesão. Os passeios são cada vez menores, quer pelo calor, quer pelo seu cansaço. Passa muitos momentos desconfortável com a lesão, que acredito que lhe doa bastante, porque está em carne viva. Passa outros tantos momentos desesperado com a fome.

Pesa 34,250. Peso no ínicio do tratamento: 37Kg. Confesso que a descida de peso até me alegra um pouco, estava a ficar um pouco gordinho antes de tudo isto. Temo apenas que a descida se mantenha.

Há tantas coisas de que tenho medo... Já me habituei à situação, já não me sinto tão ansiosa como antes, mas ainda mantenho a preocupação inicial, e os medos todos que vêm agarrados ao processo. Monstros escuros, alguns verdes, que me atormentam de dia e de noite. Encontro o conforto nas suas sestas, em que aparentemente está tranquilo, e nos momentos em que parece apreciar os passeios.
Ás vezes apetece-me chorar quando o olho nos olhos.
Mas há tantas outras coisas em que se mantém ele mesmo. Continua a querer comer como se o mundo terminasse amanhã e a roubar comida aos gatos sempre que há uma distracção. Continua a manifestar a sua vontade com uns longos olhares e às vezes uns latidos continuados, próprios de cão que quer e não consegue obter. Queria dizer-lhe que sei o que quer, e explicar-lhe porque motivo não pode ter. Queria explicar-lhe tudo o que se passa, e que compreendesse que estarei sempre ao seu lado.
Os cães não compreendem algumas coisas, por muito que nos esforcemos.

Não deixo de ficar admirada quando, do nada, alguém me pergunta pelo Doc, sem que eu soubesse que a pessoa sabia pelo que estamos a passar. Recebo muitas mensagens de apoio, com carinho e compreensão e, ao contrário do que cheguei a temer, nada de pena. Recebo olhares de admiração, vozes de compaixão. Como eu queria poder partilhar tudo isto com o Doc, e que soubesse que o nosso blog tem seguidores na Rússia, no Brasil, nos EUA, e até na Roménia. Países ainda mais estranhos sucedem-se na lista das estatísticas, e fico sem perceber se é produto de um vírus, ou se é mesmo real. Que temos seguidores um pouco por todo o mundo. Não sei sequer como entendem o que escrevo. Resta-me pensar que a linguagem do amor é universal.


Memórias...

O primeiro cão com quem convivi era um espetacular Pastor Alemão. Já existia na família quando nasci, e crescemos juntos. Lembro-me de coisas fantásticas, umas que os meus pais contavam, outras que vivi eu mesma.
Contavam a quantidade de vezes que, enquanto eu ainda gatinhava, se colocava à minha frente nas portas de mola, para que eu pudesse passar ilesa, enquanto ele levava com a porta no dorso. Lembro as vezes que me levava à escola, a um quarteirão de distância, e como não me deixava passar enquanto o semáforo não ficasse verde.
Lembro a sua mãe, que vivia com os meus avós, mesmo por baixo de nós, e das diferenças entre eles. Ela sempre foi conhecida pelo seu mau feitio, e a minha interacção com ela sempre foi muito vigiada. Já com ele, tal não era necessário.

Não sei o que acontece com os odores, que trazem sempre tantas memórias. Para mim têm a capacidade de me fazer reviver os momentos a eles associados, de uma forma tão mais próxima do que a simples recordação de um momento perdido no tempo.
O Patolas (era assim que se chamava) teve que ser eutanasiado, devido a uma espécie de cancro de pele. Lembro-me bem do incómodo que se sentia quando as suas lesões começaram a cheirar mal, e o quanto evitava a nossa presença. Esse é o cheiro que recordo agora.

O Doc está com uma dermatite resultante dos adesivos do catéter da penúltima sessão de quimioterapia. A lesão infectou e criou uma crosta de pús, que agora estou determinada a remover na totalidade. O Doc anda de colar isabelino outra vez, e a minha rotina diária de medicação expandiu-se para tratar da lesão.
Não é nada, e ele vai ficar bem.
Mas o cheiro traz-me tantas memórias... Na altura em que o Patolas partiu, os meus pais acharam que eu era muito nova para compreender a eutanásia. Na verdade não era. Lembro-me perfeitamente de o ver sofrer, e de pensar que aquele cão já não era o mesmo que me protegia das portas e me levava à escola.
O que me leva novamente ao tema: eutanásia. Temo tanto esse momento que, às vezes, me sinto enfraquecer.
Nem todas as memórias são boas. Procuro, no entanto, manter o foco nas positivas.


domingo, 11 de agosto de 2013

Final de férias...

As férias sabem sempre a pouco e queremos sempre mais. Para nós não é diferente.
Voltamos um dia mais cedo, e eu confesso que estava cheia de saudades dos gatos, que ficaram em casa.
Voltamos um dia mais cedo para podermos estar na 4ª sessão de quimioterapia.

As férias... correram bem. Contagem: 1 grande susto, quando o Doc apareceu com o estômago tão dilatado que pensei que o ia perder para uma torção de estômago em Aljezur, em vez que para o cancro, no Porto. Felizmente, tal não se veio a verificar.

Férias muito tranquilas, companhia muito boa, e cães felizes.
Depois da quimio, deixar o Doc em casa com o Miguel, treinos ao final da tarde e partir para o Paraíso. Sim, é mesmo assim que se chama: Lugar do Paraíso.
A casa que os meus Pais me ensinaram a amar, numa terra extremamente rica de sensações. Mesão-Frio e os abraços. O abraço da minha Mãe, o abraço do meu irmão, o abraço do meus. Estes dois últimos, que apenas vejo duas vezes por ano, ou três, num ano bom. Tempo a menos. Sempre.
Um coração partido, minúsculo, de tão apertado que fica depois do adeus.

E o choro, que chega sempre pela noite, na solidão, ao lembrar o tempo perdido que eu e o meu irmão tentamos recuperar, mas que nunca será suficiente. E um orgulho imenso no meu Pai, e o conforto de o imaginar tão feliz por nos ver tão bem e tão próximos. O que nasceu entre mim e o meu irmão é algo que nos resulta difícil de explicar, mas que se vê. Vemo-lo nós, vêem as pessoas que nos vêem, sentimos nós aquele abraço tão só nosso, que é sempre breve demais, mas que parece não terminar nunca. O meu sobrinho está crescido, sempre foi uma criança adorável. Não sou particularmente próxima de crianças mas é uma felicidade ver como cresce tão saudável a todos os níveis. Algo que não é comum, actualmente. O melhor Pai do Mundo foi o meu. A seguir é o meu irmão.



Os passeios que damos sempre juntos os três, com os cães... Hoje faltou o Doc. Não sei durante quantas horas caminhamos pelo monte que nos une e sempre nos surpreende com a sua variedade, e nos proporciona uma sensação de liberdade e cansaço e grandiosidade e deslumbre. O Doc não foi ao Paraíso. O Doc não veio ao monte. Fez-me falta. Imaginei-o a correr os corta-fogos como era habitual e percebi que talvez nunca mais o faça. Lembrei o dia na Praia da Amoreira, no Alentejo, onde levamos os cães para sua diversão total, recordei as corridas dos outros três e o passeio suave, a trote, do Doc, enquanto se mantinha por perto para receber biscoito. Não correu com os outros. Não brincou. Ficou comigo, num passeio calmo pelo rio onde este encontra o mar. Molhou as patas, caminhou, comeu biscoitos. Eu fotografava. O Doc não será mais o mesmo, nem nos corta-fogos, nem na praia. E isso deixa-me completamente devastada.




A saudade dos Meus que cresce sempre que posso estar um pouco com eles. A saudade do que o Doc já foi, a esperança de que o volte a ser, e a inevitável falta do que ainda não partiu. E é assim que hoje termino o dia. Que amanhã já se trabalha, e as férias terminaram.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Férias

Hoje foi a terceira sessão de quimioterapia.
Amanhã vamos de férias.


Foi preciso ouvir várias vezes, de bocas diferentes, que isto seria possível, para aceitar e arriscar uma viagem de praticamente 600 kms para longe da segurança e uma semana de sol e praia.
Nunca pensei que fosse possível.
O Doc está a fazer sessões semanais, e foi apenas preciso ajustar a data de uma sessão, um dia para a frente, antecipar o regresso de férias, um dia para trás, et voilá. Cão em quimioterapia de férias. Assim tão simples?

Eu confio bastante em mim. Sei que serei capaz de detectar algo que esteja menos bem com o Doc, e poderei agir atempadamente. Mas foi a confiança da veterinária mais fantástica que algum dia conheci que me fez manter a marcação de férias. Por isso digo tantas vezes que há coisas que não têm preço. Tenho-me sentido muito especial, tenho sentido o Doc como paciente especial, e somos muito mimados. Lá sigo com os contactos de emergência de clínicas um pouco por todo o país. Bom, nem tanto, apenas pelos locais onde vamos passar.

Ontem foi um dia muito bom. O dia terminou com a melhor notícia possível. Chegaram as análises do Doc, e as defesas estão em alta. A quimio ainda não o afectou dessa maneira. Fui dormir tranquila, depois de uma semana imensamente intensa em termos de trabalho. É só comigo que acontece que a última semana antes de férias é uma loucura total??

Eu, o Doc, o Miguel e o Cusca vamos de férias. Muito bem acompanhados, por sinal.
Voltamos dentro de uma semana.


quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Arrependida?

Desde que iniciei esta jornada que soube que, inevitavelmente, chegaria o dia em que me iria arrepender da decisão tomada. Se não optasse pela quimioterapia iria arrepender-me. Tendo optado por ela, há dias em que me arrependo. Todos os dias tenho dúvidas. Nuns sinto-me confiante e acredito que podemos vencer. Noutros arrependo-me e quero parar. Acho que deve ser sempre assim, deve fazer parte do processo.

O Doc continua cansado, arfa muito, e começaram a aparecer-lhe umas borbulhas que podem ser consideradas bumps, mas não são bem. Continua a urinar muito, e às vezes manifesta dificuldade em fazê-lo.
Hoje fomos fazer análises para nos certificarmos que está tudo bem, e iremos analisar também a urina para descartar hipótese de infecção urinária.
Então, para o tratar acabo por lhe provocar mal estar de outra forma. Já sabia. Já deveria saber. Deveria estar preparada. Mas nunca estarei preparada para ver o Doc sofrer. Nem que seja um sofrimento relativo, como dificuldade em urinar.

Nunca fui mãe-galinha com ele, apesar de me terem acusado, injustamente, leia-se, de o ser. Sempre o deixei ser cão, aprender com a sua experiência, nem que para isso tivesse que cair de um muro ou tropeçar num corta-fogo. Tive a possibilidade de lhe dar uma vida em que conheceu muitos contextos, e não posso evitar um sorriso quando, junto a um precipício, soltava o Doc para a sua corrida sob o olhar de pânico da Inês, que de seguida se ria a dizer que sabia que ele estava habituado, mas que nunca o conseguiria fazer. Sim, vivemos no limite, eu e o Doc. E é assim que queremos continuar a viver. Agora nunca o solto em locais públicos, pois não sei o que poderá encontrar para comer, que lhe possa fazer mal porque está com as defesas em baixo.
No outro dia levei-o comigo para o centro, soltei-o, achando que sentia falta de correr livre, e ele não quis correr. Ficou comigo, exigindo atenção e algum trabalho. Depois, chegaram os amigos canídeos, e lá foi conviver um pouco. Não creio que lhe faça falta, actualmente, correr solto.
Tento colmatar a falta de vontade para exercicício físico com exercício mental, que ele continua a apreciar bastante.

Hoje não estou arrependida. Ontem estive, durante uns momentos. Tento adaptar-me a toda esta fase, e tenho, imagino que como todos, momentos melhores e outros piores. Julgo que não conseguirei transpor para palavras aquilo que sinto quando me vou abaixo e me arrependo. Por isso escrevo hoje. Hoje é um dia bom.

domingo, 28 de julho de 2013

Bumps and Lumps

Especializei-me nos termos acima escritos assim que apareceu o primeiro lump ao Doc. Não encontro traduções suficientemente boas para o português. Para mim os termos que farão sempre mais sentido serão "mast cell tumor" e "bumps and lumps".

Vejo bumps e lumps por todo lado. No Doc durante o dia, ao sol, depois desaparecem, depois vejo-os na sombra, depois tento confirmar com mudanças de perspectiva, depois chateio o Miguel para ver se ele vê o mesmo que eu, depois já não vejo, e volto a ver. Acho que estou incapaz de analisar objectivamente os bumps and lumps do Doc.
Já os vejo em cães de clientes, imagino os piores cenários que tento disfarçar enquanto sugiro uma visita ao veterinário com um sorriso. E começo a pensar se não estarei demasiadamente afectada pelos bumps da minha vida, e a ficar atolada nos lumps.

Há duas noites atrás, estava a dormir na cama, o Doc esticado ao meu lado, e acordei num repente, aquelas vezes em que parece que estamos a acordar debaixo de àgua sem ar! Estou a sentir-lhe outro nódulo! Acordei, esfreguei os olhos, e pensei para mim que estava a sonhar, que até já sonhava com nódulos. Acendi a luz, coloquei a palma da mão sobre o seu dorso enquanto ele ressonava tranquilamente, e lá estava ele. O novo bump. Fiz o costume: rapar a zona para poder ir monitorizando. Pode não ser nada. Pode ser uma picadela de insecto. Espero sempre que seja uma picadela de insecto.

Então, decidi partilhar convosco um vídeo que acho que está muito bem feito, como introdução, sobre os mastocitomas. Para que não ignorem os bumps and lumps dos vossos amigos: http://www.metacafe.com/watch/3036796/introduction_to_mast_cell_tumors_in_dogs_vetvid_episode_018/

Entretanto, a vida continua, e continuo a dedicar-me tanto quanto consigo a fazer os meus cães felizes. Tento que desfrutem da vida, que tenham oportunidade de explorar ambientes, que possam descansar adequadamente. E por isso, vamos passear. E os lumps and bumps desaparecem por uns minutos.




sexta-feira, 26 de julho de 2013

Segunda sessão de quimioterapia

Foi hoje.
O Doc tem-me conseguido surpreender bastante com a sua natural despreocupação com o facto de permanecer algumas horas numa jaula.
Repetimos os preparativos da semana anterior, e chegou o momento de esperar. O Doc, apesar do efeito da cortisona lhe provocar aumento na produção de urina, e consequente aumento da necessidade de urinar, aguentou como um herói.

Durante o tempo que ali passamos juntos, tive mais uma vez a oportunidade para reflectir sobre nós, a nossa relação, o que já passamos, e para tentar pensar no nosso futuro juntos. 
O Doc não é um cão particularmente empático, nem sinto que tenha comigo uma relação especialmente próxima, daquelas que descrevemos aos amigos, dizendo que o cão sentiu quando estávamos tristes, ou veio para junto de nós por estarmos sós. O Doc não é assim. Esse lugar aqui em casa é do Cusca. 
O Doc nem sempre se levanta quando eu chego a casa, às vezes levanta a cabeça, outras, nem isso. O Doc não gosta de festas sempre, e se lhas estiver a fazer e ele não quiser, vira-me as costas e sai do lugar. O Doc nunca mordeu ninguém, mas rosna com vigor se me encostar a ele, e mostra-me os dentes todos quando lhe corto as unhas. O Doc troca facilmente a minha companhia por quem tiver um pedaço de pão, ou outra qualquer coisa comestível. 
Como explicar então aquilo que nos une tanto? A única coisa que tenho a certeza é que se estivermos juntos, estamos bem. Mas sem cenários românticos em que o cão lambe as lágrimas, ou chora de alegria num reencontro qualquer. Nós não somos assim. 

Não sou uma pessoa especialmente afectuosa. Nem com os cães. Gosto de alguns carinhos, mas não gosto que andar sempre em cima deles com afectos. Gosto que sejam cães. Bom, talvez o Cusca tenha mudado um pouco isso, em conjunto com a Mimi. Como cão e gata tão afectuosos que são, e de pêlo longo, acabaram por me ensinar uma nova forma de relaxar que quase se tornou um hábito - passar-lhes os dedos no pêlo, desfazendo nozinhos e retirando o pelinho morto. Adoro isso. Acho que eles também. O Doc jamais gostaria desse nível de proximidade. 
O Doc e eu gostamos mais do contacto físico sem forçar. O encosto sem pesar a uma perna, uma mão suave na orelha, aquele toque suave que se sente mesmo quando se dorme, mas sem exageros. 


Então, nas sessões de quimioterapia tem sido assim. Estou ali ao lado dele, ele pode apoiar o seu focinho ou até a sua pata em qualquer parte de mim que queira, e apenas vou falando, e lendo. Uma carícia ocasional na orelha, e nada mais. 
Ás vezes penso que, mais afectuosos ou menos afectuosos que sejam as pessoas, deveriam talvez perder um pouco mais de tempo a perceber se os seus animais apreciam as demonstrações de afecto. Infelizmente tenho visto muitos casos em que as pessoas interpretam mal a linguagem dos seus cães, e continuam a forçá-los a abraços, a contactos próximos com bebés, a beijinhos e outras formas de carinho, quando no fundo, estão apenas a provocar-lhes um mau estar que poderá trazer consequências graves para aquelas famílias, algures no tempo. Tenho pena daqueles cães, e tento ajudar como posso as famílias que comigo se vão cruzando.

Para amar não é preciso abraçar. É preciso existir. E é assim que nós somos, eu e o Doc. Existimos um para o outro. E isso não vai mudar nunca.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Ainda sobre o tempo

O tempo teima em não passar, agora que o queria sentir apenas como uma ventania, que levasse tudo o que carrego neste processo. Podia ser já Outubro, ou Novembro, o Doc estar bem, cancerfree, e eu estar aqui a escrever-vos sobre o efeito da vitória nas nossas vidas.
Mas o tempo teima em não passar, e os dias sucedem-se lentamente, sem grandes coisas a relatar, sem nada de novo que me traga aqui, até vós.

Como medir o grau de sofrimento, ou de falta dele, de um animal?
As emoções dos animais foram sempre para mim um tema de interesse e objecto de estudo. As emoções humanas também. Tanto numas, como noutras, ainda temos tanto que explorar, e tanto a aprender... Como medi-las? Que parte do cérebro está envolvida em que emoções? Como podemos trabalha-las? Qual o papel das hormonas e outros químicos do organismo? Temas fascinantes.
Os suspiros não se medem, e não se pode quantificar a doçura de um olhar, ou a ansiedade de um abanar de cauda.
Científica, tento manter o romantismo de cada gesto, mas é difícil manter o norte e tentar a objectividade quando tantas coisas subjectivas estão ligadas è emoção. E se para nós, humanos, as emoções são tantas vezes difíceis, quase impossíveis, de demonstrar, de explicar, como será para os animais?
Continuo a acreditar que lhes é mais fácil. A parte complicada começa quando tentamos compreendê-los, e a atribuir-lhes características humanas, num fenómeno conhecido como antropomorfismo. Sem cair nesse erro, posso acreditar que sim, os cães têm emoções.

Então, como perceber se o Doc está bem, ou não? Se sente a falta de algo, ou se está bem como está? Sempre me achei tão capaz de entender o Doc, de saber o que ele precisa na hora em que sente essa necessidade... Mas não agora. Agora não consigo.
Quando, nos passeios, não o deixo explorar cantos sujos, para não apanhar nada que se coma, sei que fica triste, porque queria ir investigar.
Se, nas noites tão longas, suspira durante o sono, um ruído muito próximo de um ganido que se forma mas que ainda não o é, fico sem saber o que sente, se está a sonhar ou a sofrer.
Quando abana a cauda e levanta a cabeça quando chego, sei que fica contente por me ver.
Não tenho dúvidas de que fica radiante quando chega a hora de comer.
Onde se acabam as certezas e começam as interrogações?
Agora está aqui, ao meu lado, com uns olhos que pedem algo que eu não sei identificar. O que será?
Ignoro, continuo a escrever, e percebo que não desiste, quer o meu iogurte. Afinal não era nada profundo e delicado, era apenas gula.

Obrigada por se preocuparem. Por agora apenas isto a relatar: dúvida, incerteza, preocupação. Uma preocupação como nunca pensei ser possível. A impotência. A incerteza. Quero pensar que estou a fazer tudo conforme. Estarei?

domingo, 21 de julho de 2013

Abrandar o ritmo

O Doc está cansado.
E com ele, também eu vou abrandar o ritmo.

Preciso adaptar-me, preciso de tempo, preciso de não me desanimar quando olho para ele ofegante num passeio curto. Preciso olhar em frente, dizer-lhe que vamos conseguir, e que em breve estaremos nos nossos passeios iguais a antes. Por agora preciso abrandar apenas, e adaptar-me ao seu novo ritmo.

Quem conhece os weimaraners sabe que eles têm um ritmo estonteante. Os últimos 6 anos da minha vida foram a esse ritmo com o Doc, pelo Doc. Está na hora de abrandar.
Isto sou eu a mentalizar-me, a tentar dizer para mim mesma que está tudo bem, que não há motivos para me preocupar. No meu interior o coração aperta até ficar encolhidinho, só de pensar que este abrandar será definitivo. Mas não vai ser. Vamos lutar os dois, continuando a caminhar, para manter a forma, passeios mais curtos, mais lentos, com pausas se for preciso. Mas não vamos parar. Vamos só abrandar. Prometo.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Dia 1 de quimioterapia

Hoje foi o dia Q.
Não me canso de agradecer as mensagens de ânimo, de força, os olhares, os abraços e os emails. Sei que estou algo lamechas, mas vocês têm-me dado tanto carinho que me sinto impelida a começar este post com um enorme agradecimento a todos os que fazem parte das nossas vidas. Obrigada!

O dia começou bem cedo, quase sem ter terminado o ontem.
Preparei as coisas e lá fui com o Doc para a clínica. O sorriso do costume tentou apaziguar a ansiedade que eu tentava esconder. Preparar, apontar... Cateter, adesivos, manta, sistema de soro, uma cadeira para mim, e lá fomos nós.
O Doc portou-se tão bem que me deixou orgulhosa e tranquila. A sua tranquilidade em comparação com a minha angústia ensinou-me tantas coisas ao longo das horas que ali estivemos. Temos, efectivamente, muito a aprender com os animais.
Correu tudo bem. Nada de enjoos, de vómitos, nada de nada. A sério? Alívio.



As horas foram passando, o Doc com a cabeça em cima das minhas pernas, do meu braço, nas minhas costas, na minha mão, à medida que me ia movimentando tão cuidadosamente quanto conseguia para não o incomodar. Falei muito com ele. Esgotei o meu reportório de palavras doces, e quando fiquei sem saber o que dizer, li para ele. Pois é, li para ele. Ele levantava a cabeça sempre que passava gente, ou quando ouvia um som mais estimulante vindo da sala de espera ou do consultório. Ou quando eu parava de ler. Então li.

Encostei a minha cabeça à dele, e acho que adormeci breves instantes, vítima do cansaço. Foi ele que me tranquilizou. Não preciso de mais nada. Preciso que ele me tranquilize sempre.
Enquanto o tempo passava tentei ter pensamentos positivos. Imaginei-o velhinho, encostado a mim no sofá, e fiquei algum tempo com essa imagem na cabeça. Ia-lhe dizendo as coisas que ainda temos para fazer nas nossas vidas, e o tempo passou.

Viemos para casa, ambos exaustos. Descansamos juntos, eu vigilante, ele tranquilo. Bebeu, comeu, fez as necessidades, tudo normal. Tentou roubar comida aos gatos, tudo como sempre. Fomos passear, uma volta curta para não abusar, e a habituação ao açaime aos poucos, para que não incomode muito. Acho que foi para ele o pior, o açaime. Optei por lhe pôr um açaime na rua para me certificar que não ingere porcarias num momento de distração.

Depois, porque tenho o melhor "marido" do mundo, pude ir à inauguração da exposição de fotografia do curso que fiz. Quando soube da coincidência de datas, achei que tinha calhado mal. Agora que cheguei a casa sei que foi o melhor que podia ter acontecido. Distraí-me por umas horas, recebi o carinho de amigos que me visitaram e me fizeram sentir importante por ter 3 fotografias expostas, mas sobretudo, que me mostraram que estão comigo. Diverti-me, ri, brinquei, e agora voltei para casa. O Doc e o Miguel dormem enrolados um no outro, o Cusca está na cama dele, e os gatos procuram-me para um carinho de final de dia. E é assim que chega a certeza de que fiz a opção acertada. Independentemente do desfecho. Para já está tudo normal. Como A.Q. - antes da quimio.
Se o amanhã for tão bom como o hoje, estarei bem.
Obrigada pelo hoje.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

As noites...

As noites têm sido o pior. Toda a minha vida, não apenas agora. Em todos os momentos piores, as noites nunca passam.
Sinto-me fraca durante o dia, mesmo que possa não consigo descansar, porque no fundo não são as noites o pior, mas afinal é o tempo que antecede o relaxamento necessário ao sono.
São 2h04 da manhã, o Doc ressona aqui ao meu lado no sofá, com o Cusca enrolado entre as suas patas e as minhas pernas. Estou muito cansada, os olhos ardem-me, não consigo ver mais televisão.

Hoje tive, mais uma vez, que enfrentar que o Doc está envelhecido. Envelhecido, ou doente? Tantas vezes o comparamos, a Inês e eu, ao seu irmão de coração, o Kinder, para nos convencermos que é a idade que provoca neles estas alterações. Ainda são novos. Seis anos e meio de cão.
O Kinder e o Doc conheceram-se pouco tempo depois de terem chegado às nossas vidas, e foram eles que nos juntaram, à Inês e a mim. Fazem um mês ou dois de diferença, e sempre foram muito semelhantes, em tantas coisas, que até assusta. São muito diferentes em tantas outras, mas essas não interessam agora.
O Doc há uns tempos que deixou de saltar voluntariamente, com à vontade, para a mala do carro. Ao início julguei ser preguiça, agora não estou tão certa. Hoje fomos a um dos sítios que mais gosta de visitar, onde há espaço para correr e brincar, e não fez nenhuma das coisas. Só depois de algum esforço o consegui persuadir a ir buscar a bolinha mas, como podem ver, não foi com muito entusiasmo.
Mas, em boa verdade, o Doc sempre fez o que quis quando quis. Julgo que foi o tempo que o fez aprender a agradar-me. E às vezes só faz certas coisas por mim, porque eu quero, porque me apetece, e não propriamente pela vontade que sinta. E hoje foi buscar a bolinha e trouxe-ma, para depois a ir buscar de novo, porque eu queria que corresse.
Na verdade, não queria que corresse apenas. Queria que corresse, que saltasse, que brincasse, que cheirasse, que rebolasse na relva, que fosse cão livre, feliz, uma vez mais.

Eu queria tudo para hoje, para não pensar no amanhã. Sim, é já amanhã. Ás vezes sinto que estou a exagerar com as preocupações, outras parece-me que posso estar a sobrevalorizar a situação.
Mas não consigo. É o Doc. Eu sou do Doc. Sou mesmo a pessoa dele e não quero deixar de o ser. E este processo todo faz-me reflectir sobre tudo, sobre o que vivemos, sobre o que ainda não vivemos, sobre as perdas todas da vida, sobre a difícil decisão da eutanásia quando chega o momento. Quando é que chega o momento? Já "dei ordem" de eutanásia a dezenas de animais. Lembro-me de todos. Dói mais quando penso nos que eram da família, mas os que nunca foram de ninguém também importam. Porque esse gesto, que para mim pode ser um dos mais difíceis e último acto de amor, não é tomado nunca, nunca, nunca de ânimo leve.
É talvez um pouco estranho que já tenha imaginado que esse momento há de chegar com o Doc. Talvez me julguem por já ter revisto, over and over again, a minha viagem para aquele sítio especial, para a última despedida deste meu grande companheiro. E sofro de cada vez.

Claro que sei, racionalmente, que todos morrem um dia. Não vivo a pensar que vou perder as pessoas que me são próximas, nem os animais. Ainda bem. No entanto, há momentos em que, de um modo demasiado rápido, visualizo certas imagens, e não sou rápida o suficiente para as afastar sem que antes causem danos.

Tinha muito medo de perder o meu Pai. Sempre achei que iria morrer no dia em que ele partisse. Só de pensar na ideia, conceptualmente, ficava aflita, a hiperventilar e com taquicardia. Tais sinais psicossomáticos não se manifestaram, de todo, quando o momento chegou.
Então, agora tento racionalizar, deduzir que não vai ser nada como imagino agora. Que não o vou perder tão cedo e que, quando isso acontecer, não vai ser nada como imaginei antes. Vai ser pior. É aqui que páro a racionalização e arranjo algo para fazer, para afastar as ideias.

Nunca estamos verdadeiramente preparados para nos separarmos de algo que amamos. Nunca estamos verdadeiramente preparados para deixar partir.

Amanhã começamos o tratamento cujo nome hoje não quero nem escrever.
O Doc está a sonhar aqui junto a mim. Nunca caçou, e eu sou contra a caça, mas espero, no meu íntimo, que esteja a sonhar que está no campo, a perseguir coelhos ou perdizes, muito entretido a farejá-los. E que está feliz.


quarta-feira, 17 de julho de 2013

O tempo passa devagar.

Normalmente os meus dias passam demasiado depressa.
Esta semana está a demorar muito a passar. Hoje é quarta-feira, e já tantas vezes pensei que fosse quinta. Era terça, e já só pensava na quarta-feira. Estou desorganizada. O tempo passa devagar e na verdade não percebo bem porquê.
Se estou apreensiva com a quimio que começa na sexta-feira, devia estar a aproveitar todos os momentos entre o aqui e o lá, e o tempo passaria mais depressa.

Não deixa nunca de me surpreender esta dimensão que o tempo tem que o torna só nosso. Julgamos que passa depressa por vezes, outras anda demasiado devagar. Somos tão agarrados ao futuro que acabamos por não viver o presente plenamente. Sobre os tempos verbais já escrevi muitas vezes, e quem me conhece sabe que tento aprender com o passado sem ficar agarrada a ele, viver o presente como se não houvesse futuro, e pensar no futuro apenas como consequência das escolhas que faço no presente. Mas na verdade, são tudo meras tentativas. Sou ansiosa e ponto final.

Antes de começar a escrever este blog pensei muito. Se, por um lado, não queria expor publicamente um lado tão privado de mim, por outro não queria despertar nas pessoas emoções como a pena, o pesar, o lamentar. Depois, pensei que teria que tirar algo positivo desta experiência e talvez, com sorte, pudesse a minha escrita ajudar alguém hoje ou amanhã.
Nunca pensei receber tanto apoio. Tenho recebido mensagens, emails, telefonemas, sms, toda a panóplia de opções de comunicação que a era moderna nos permite. De pessoas próximas, menos próximas, pessoas que já não vejo há uma eternidade, desconhecidos.
Acho que não consigo passar para palavras aquilo que todos vocês, que me lêem, me fazem sentir.
Alguns contam-me histórias pessoais, experiências semelhantes, outras não tão parecidas, mas todos temos em comum a importância que damos aos cães nas nossas vidas.
Uma das minhas citações favoritas de sempre diz "Dogs are not my whole life, but they make my life whole". É isso que me une a vocês todos, que me lêem na blogosfera.
Páginas de angústia, de dor, de sofrimento, mas também de carinho, de humor, de alegria.

O nosso amor pelos cães é o que temos em comum. Os corações de pessoas que amam e protegem os animais são sempre bem-vindos à minha caixa de correio.

Deixo-vos hoje com um gigante OBRIGADA, por estarem aí e por nos ajudarem todos os dias, a mim, ao Doc, e a toda a nossa família, a sentirmo-nos um pouco melhor.


terça-feira, 16 de julho de 2013

Relembrando os tempos

O Doc já foi um cachorro.
Lembro-me bem da primeira vez que o vi, quando me baixei para o receber e ele, com aquela sua felicidade ingénua de cachorro... me ignorou completamente e se entreteve nas ervas mais próximas a cheirar!
Podem pensar que isso para mim foi uma desilusão, mas não. Na verdade hoje significa muito para mim. Porque haveria de vir na minha direcção, se não passava de uma estranha para ele?



Desde que ele chegou à minha vida já aprendi muito sobre educação e comportamento canino. Até ele chegar tinha muitas noções, provenientes da experiência de quem sempre viveu com cães, e de quem trazia já alguns anos de bagagem a lidar com cães de rua (silvestres e dóceis). Muitas dessas noções estavam erradas. Lembro-me de ter pedido ajuda a um amigo para o treinar, e de me ter explicado como ensinar-lhe tudo em positivo, através de recompensas, mas depois me ter recomendado uma coleira semi-estranguladora para o ensinar a não puxar. Lembro-me de ter ido com ele praticar no parque, e de como apanhou um susto tão grande enquanto tentavamos ensiná-lo a deitar, que criou ali um bloqueio que só depois de mudar a palavra é que se dissipou.
Neste processo, fui crescendo, e comigo crescia também a minha paixão por esta àrea.

O que hoje tento transmitir aos clientes que me procuram é que nem sempre o senso comum é correcto, e que muitas vezes algo que funcionou com um cão não tem porque funcionar com outro(s). E o que me apaixona nesta profissão é ver a mudança nos cães, e na sua relação com as suas pessoas.
Claro que há dias tristes, quando quem nos procura não está disposto a abdicar de hábitos antigos, ou a investir algum tempo e dinheiro na sua relação com o seu cão. Mas continuo a ter, na maioria, dias bons.

Voltando ao Doc. Depressa percebi que havia muitas coisas que lia ou que me ensinavam que não faziam muito sentido, e fui procurar informar-me melhor. Sempre me fez confusão, depois de ter aprendido sobre o reforço positivo, o clicker, e como recompensar comportamentos adequados, que continuasse a ver pessoas que praticavam esta vertente tão bem, mas que depois continuassem a usar castigos (uns mais punitivos do que outros, é certo), para corrigir comportamentos. E devo confessar que só muito recentemente, há cerca de 1 ano e pouco, é que pude ter realmente a noção do que é "Treinar em positivo". Não é só uma metodologia de treino, é uma forma de estar na vida com a qual muito me identifico. É não pensar o que temos que corrigir, mas antes o que podemos fazer em vez de.
Se alguém rói as unhas, não pára apenas porque a estão sempre a chamar a atenção, ou a bater-lhe na mão, pois não? Que podemos ensinar essa pessoa a fazer para evitar que roa as unhas? Porque é que rói as unhas?
Tenho muita pena de não ter podido seguir esta linha com o Doc desde o momento em que chegou à minha vida. No entanto, mudanças estruturais na forma como lido com certos comportamentos desajustados têm mostrado resultados muito favoráveis. Talvez nem todos saibam que o Doc é um autêntico ladrão de comida. Sobretudo pão, ou lenços ranhosos na rua, sendo que encontra iguarias nas mais variadas coisas asquerosas com que nos cruzamos. Desde que mudei a minha forma de encarar esse seu "defeito", temos feito muitos progressos. É sempre tempo de mudar, sobretudo se for para melhor.

O Doc não tem defeitos. Tem aspectos a melhorar.





segunda-feira, 15 de julho de 2013

Hoje pudemos brincar e aprender

Hoje o dia passou depressa demais.
Quando chegou a disponibilidade para a voltinha diária, decidi substitui-la por 3 sessões de treino para cada cão. Ainda não o disse aqui, mas o Doc tem um nariz espantoso, e andamos a trabalhar essa sua capacidade. Já é capaz de detectar duas substâncias diferentes, e marcar cada um delas com um comportamento diferente. O objectivo é chegar às seis. Tento não pensar que, provavelmente, não vamos ter tempo para atingir o nosso objectivo.
Divertimo-nos mesmo muito quando brincamos às buscas. Então hoje foi dia para nos divertirmos.
O olhar dele assume um êxtase quase inexplicável quando me vê a calçar as luvas de látex para preparar o circuito de busca com as substâncias. Somos felizes enquanto equipa.

Passei uma parte do dia a visualizar a próxima sexta-feira. Fico com ele durante o tratamento, não fico? O que será melhor para ele? O que o deixará mais tranquilo e confortável? O meu instinto diz-me para ficar com ele todo o tempo, o que for preciso, tranquilizá-lo enquanto tiver que estar na jaula, com o cateter a permitir a entrada das drogas. O meu lado mais racional faz-me pensar que talvez fique mais tranquilo na minha ausência, sempre que fica na clínica fica tão calmo que me faz sair de lá com um orgulho imenso depois de ouvir que ele "se portou tão bem". Mas vou ficar com ele. Mesmo que isso implique não ir trabalhar nesse dia. Ou não vou? Vou.
São estas as dúvidas que me vão assaltando enquanto penso no que vai ser esta fase das nossas vidas. Só dúvidas. Questões às quais não consigo responder com a segurança que me caracteriza em tantas outras coisas. Tantas "grey areas". Tantas dúvidas, tantas. Talvez lhe possa preparar um brinquedo com comida para levar para a sessão. Mas se o brinquedo rebola, e ele tem que o perseguir? Não, é melhor sem brinquedo. Ou com brinquedo? Com brinquedo ficaria mais entretido, e alheado do facto de ter um cateter na pata a injectar drogas. Mas ele não sabe o que é que vai ter na pata. Sem brinquedo. Talvez um osso de roer? Não, porque ele gosta de os agarrar com as patas. Com o cateter não vai poder.
Percebem? Isto é o que me passa pela cabeça, crú, sem edição.
Achei que me podia dar ao luxo de escrever assim em versão "raw" para ver se conseguia transmitir o que me passa pela cabeça. Agora ao reler vejo que talvez, mesmo assim, não seja simples. Porque as teclas não acompanham o ritmo da mente. Nunca o conseguirão fazer.



Já me disseram que tenho uma mente hiperactiva. Como psicóloga, não reconheço o conceito, mas percebo o que querem dizer. As minhas dificuldades de concentração advirão todas daí, julgo.
O Miguel costuma dizer que tenho que deixar de planear os dias como se tivessem 24h. Depois ri-se, e diz que se tivesse o meu ritmo, certamente teria um AVC rapidamente. Eu não me rio. Quando o ritmo abranda, não sou capaz. Atiro-me para o sofá e só consigo dormir e fingir que durmo.
Na verdade, preciso da adrenalina da falta de tempo e da pressão dos "deadlines" para funcionar. Sem isso não sou eu mesma. Patológico?

O dia está a acabar, já dei o jantar aos cães, que agora dormem tranquilamente no sofá. Vou juntar-me a eles. Até ao Miguel chegar e podermos jantar.


domingo, 14 de julho de 2013

Hoje

Depois de alguns dias seguidos a escrever na blogosfera, finalmente cheguei ao dia de hoje.
A partir de hoje a escrita perde o carácter de resumo dos últimos meses, e torna-se mais um diário, onde tenciono escrever sobre o dia-a-dia de um cão com cancro e a sua família. Obrigada a todos pelas mensagens de ânimo, pelas energias positivas, e sobretudo, por me "lerem". Quero muito poder continuar a contar com vocês todos.

Não me arrependi de ter começado a escrever. Ao início tinha medo.
Os últimos anos têm sido dedicados completamente ao meu trabalho com cães. Tem sido uma luta constante, desgastante, e já algo longa para conseguir mostrar que as Intervenções Assistidas por Animais têm espaço em Portugal. Que os cães podem ajudar as pessoas. Que as pessoas podem ajudar os seus cães, se os educarem devidamente e se conseguirem comunicar mais eficazmente com eles.
Encontrei uma equipa fantástica, que começou apenas com a Inês. Daí vieram mais duas, e agora somos 4, e 3 cães, a lutar diariamente por um trabalho que adoramos e que acreditamos que venha a ter bom futuro em Portugal. Nestes anos de luta, já tive momentos menos bons, mas nunca quis desistir. Já me ocorreu desistir, mas nunca o quis fazer. Acredito tanto na nossa equipa!

Tinha para o Doc grandes expectativas. Queria torná-lo num cão de terapia, e desde cedo o eduquei nesse sentido. Tornei-o num cão confiante, que não teme nada e que se sente confortável em qualquer sítio, que consegue concentrar-se mesmo em ambientes demasiado estimulantes, que não sente urgência em fazer mais nada que não seja trabalhar comigo, para nós, para a nossa diversão. Mas o Doc não chegou a ser um cão de terapia. Não aprecia especialmente estranhos, querendo com isto dizer que não lhes dedica nem um segundo da sua atenção, a menos que tenham algo que se coma. O interesse desvanece-se imediatamente depois de comer.
É importante que um cão de terapia goste de pessoas, que seja afectuoso com todas, que crie um vínculo imediato. O Doc não. Os Weimaraner são muitas vezes chamados "cão velcro" porque "colam"  na sua pessoa. O Doc colou em mim, e eu nele.

Depois de termos feito os exames todos, e ter sido dado o ok para a quimioterapia, a nossa vida continua igual. Vamos começar o tratamento na próxima sexta-feira, e só eu estou apreensiva. O Doc não. Continua igual a ele próprio, sem perceber porque é que, de repente, me agarro a ele enquanto dorme, e deito a minha cabeça no seu dorso, enquanto lhe massajo as orelhas e olho para a televisão sem conseguir ver nada. Acho que não entende os meus olhares, enquanto aqui escrevo, e olho para ele de relance, parando os meus olhos nos dele um pouco mais para além do habitual. Não sei se se apercebe das lágrimas que se formam nos meus olhos só por olhar para ele. Acho que não. Ele continua apenas a aproveitar a vida, tal como ela é.


Tiro grandes lições dos meus animais. Todos os dias, praticamente, me ensinam qualquer coisa. Vivendo com uma gata quase cega, e com um gato tripé, muitas vezes dou por mim a olhar para eles e para as suas vidas plenas, a sua felicidade simples, livre de preocupações. A autocomiseração realmente é uma característica muito humana, e os animais ganham tanto com a falta dela... Nenhum deles fica a queixar-se por não ver, ou por não ter uma pata, limitam-se a viver plenamente cada dia e a contentar-se com pequenos prazeres que o ser humano teima em ignorar. Tento pensar nisto todos os dias, e esforço-me por não ignorar. Por isso mesmo, vou levantar-me agora para ir dar um passeio com eles. Livre de preocupações. Só nós. Eu e os cães.