domingo, 28 de julho de 2013

Bumps and Lumps

Especializei-me nos termos acima escritos assim que apareceu o primeiro lump ao Doc. Não encontro traduções suficientemente boas para o português. Para mim os termos que farão sempre mais sentido serão "mast cell tumor" e "bumps and lumps".

Vejo bumps e lumps por todo lado. No Doc durante o dia, ao sol, depois desaparecem, depois vejo-os na sombra, depois tento confirmar com mudanças de perspectiva, depois chateio o Miguel para ver se ele vê o mesmo que eu, depois já não vejo, e volto a ver. Acho que estou incapaz de analisar objectivamente os bumps and lumps do Doc.
Já os vejo em cães de clientes, imagino os piores cenários que tento disfarçar enquanto sugiro uma visita ao veterinário com um sorriso. E começo a pensar se não estarei demasiadamente afectada pelos bumps da minha vida, e a ficar atolada nos lumps.

Há duas noites atrás, estava a dormir na cama, o Doc esticado ao meu lado, e acordei num repente, aquelas vezes em que parece que estamos a acordar debaixo de àgua sem ar! Estou a sentir-lhe outro nódulo! Acordei, esfreguei os olhos, e pensei para mim que estava a sonhar, que até já sonhava com nódulos. Acendi a luz, coloquei a palma da mão sobre o seu dorso enquanto ele ressonava tranquilamente, e lá estava ele. O novo bump. Fiz o costume: rapar a zona para poder ir monitorizando. Pode não ser nada. Pode ser uma picadela de insecto. Espero sempre que seja uma picadela de insecto.

Então, decidi partilhar convosco um vídeo que acho que está muito bem feito, como introdução, sobre os mastocitomas. Para que não ignorem os bumps and lumps dos vossos amigos: http://www.metacafe.com/watch/3036796/introduction_to_mast_cell_tumors_in_dogs_vetvid_episode_018/

Entretanto, a vida continua, e continuo a dedicar-me tanto quanto consigo a fazer os meus cães felizes. Tento que desfrutem da vida, que tenham oportunidade de explorar ambientes, que possam descansar adequadamente. E por isso, vamos passear. E os lumps and bumps desaparecem por uns minutos.




sexta-feira, 26 de julho de 2013

Segunda sessão de quimioterapia

Foi hoje.
O Doc tem-me conseguido surpreender bastante com a sua natural despreocupação com o facto de permanecer algumas horas numa jaula.
Repetimos os preparativos da semana anterior, e chegou o momento de esperar. O Doc, apesar do efeito da cortisona lhe provocar aumento na produção de urina, e consequente aumento da necessidade de urinar, aguentou como um herói.

Durante o tempo que ali passamos juntos, tive mais uma vez a oportunidade para reflectir sobre nós, a nossa relação, o que já passamos, e para tentar pensar no nosso futuro juntos. 
O Doc não é um cão particularmente empático, nem sinto que tenha comigo uma relação especialmente próxima, daquelas que descrevemos aos amigos, dizendo que o cão sentiu quando estávamos tristes, ou veio para junto de nós por estarmos sós. O Doc não é assim. Esse lugar aqui em casa é do Cusca. 
O Doc nem sempre se levanta quando eu chego a casa, às vezes levanta a cabeça, outras, nem isso. O Doc não gosta de festas sempre, e se lhas estiver a fazer e ele não quiser, vira-me as costas e sai do lugar. O Doc nunca mordeu ninguém, mas rosna com vigor se me encostar a ele, e mostra-me os dentes todos quando lhe corto as unhas. O Doc troca facilmente a minha companhia por quem tiver um pedaço de pão, ou outra qualquer coisa comestível. 
Como explicar então aquilo que nos une tanto? A única coisa que tenho a certeza é que se estivermos juntos, estamos bem. Mas sem cenários românticos em que o cão lambe as lágrimas, ou chora de alegria num reencontro qualquer. Nós não somos assim. 

Não sou uma pessoa especialmente afectuosa. Nem com os cães. Gosto de alguns carinhos, mas não gosto que andar sempre em cima deles com afectos. Gosto que sejam cães. Bom, talvez o Cusca tenha mudado um pouco isso, em conjunto com a Mimi. Como cão e gata tão afectuosos que são, e de pêlo longo, acabaram por me ensinar uma nova forma de relaxar que quase se tornou um hábito - passar-lhes os dedos no pêlo, desfazendo nozinhos e retirando o pelinho morto. Adoro isso. Acho que eles também. O Doc jamais gostaria desse nível de proximidade. 
O Doc e eu gostamos mais do contacto físico sem forçar. O encosto sem pesar a uma perna, uma mão suave na orelha, aquele toque suave que se sente mesmo quando se dorme, mas sem exageros. 


Então, nas sessões de quimioterapia tem sido assim. Estou ali ao lado dele, ele pode apoiar o seu focinho ou até a sua pata em qualquer parte de mim que queira, e apenas vou falando, e lendo. Uma carícia ocasional na orelha, e nada mais. 
Ás vezes penso que, mais afectuosos ou menos afectuosos que sejam as pessoas, deveriam talvez perder um pouco mais de tempo a perceber se os seus animais apreciam as demonstrações de afecto. Infelizmente tenho visto muitos casos em que as pessoas interpretam mal a linguagem dos seus cães, e continuam a forçá-los a abraços, a contactos próximos com bebés, a beijinhos e outras formas de carinho, quando no fundo, estão apenas a provocar-lhes um mau estar que poderá trazer consequências graves para aquelas famílias, algures no tempo. Tenho pena daqueles cães, e tento ajudar como posso as famílias que comigo se vão cruzando.

Para amar não é preciso abraçar. É preciso existir. E é assim que nós somos, eu e o Doc. Existimos um para o outro. E isso não vai mudar nunca.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Ainda sobre o tempo

O tempo teima em não passar, agora que o queria sentir apenas como uma ventania, que levasse tudo o que carrego neste processo. Podia ser já Outubro, ou Novembro, o Doc estar bem, cancerfree, e eu estar aqui a escrever-vos sobre o efeito da vitória nas nossas vidas.
Mas o tempo teima em não passar, e os dias sucedem-se lentamente, sem grandes coisas a relatar, sem nada de novo que me traga aqui, até vós.

Como medir o grau de sofrimento, ou de falta dele, de um animal?
As emoções dos animais foram sempre para mim um tema de interesse e objecto de estudo. As emoções humanas também. Tanto numas, como noutras, ainda temos tanto que explorar, e tanto a aprender... Como medi-las? Que parte do cérebro está envolvida em que emoções? Como podemos trabalha-las? Qual o papel das hormonas e outros químicos do organismo? Temas fascinantes.
Os suspiros não se medem, e não se pode quantificar a doçura de um olhar, ou a ansiedade de um abanar de cauda.
Científica, tento manter o romantismo de cada gesto, mas é difícil manter o norte e tentar a objectividade quando tantas coisas subjectivas estão ligadas è emoção. E se para nós, humanos, as emoções são tantas vezes difíceis, quase impossíveis, de demonstrar, de explicar, como será para os animais?
Continuo a acreditar que lhes é mais fácil. A parte complicada começa quando tentamos compreendê-los, e a atribuir-lhes características humanas, num fenómeno conhecido como antropomorfismo. Sem cair nesse erro, posso acreditar que sim, os cães têm emoções.

Então, como perceber se o Doc está bem, ou não? Se sente a falta de algo, ou se está bem como está? Sempre me achei tão capaz de entender o Doc, de saber o que ele precisa na hora em que sente essa necessidade... Mas não agora. Agora não consigo.
Quando, nos passeios, não o deixo explorar cantos sujos, para não apanhar nada que se coma, sei que fica triste, porque queria ir investigar.
Se, nas noites tão longas, suspira durante o sono, um ruído muito próximo de um ganido que se forma mas que ainda não o é, fico sem saber o que sente, se está a sonhar ou a sofrer.
Quando abana a cauda e levanta a cabeça quando chego, sei que fica contente por me ver.
Não tenho dúvidas de que fica radiante quando chega a hora de comer.
Onde se acabam as certezas e começam as interrogações?
Agora está aqui, ao meu lado, com uns olhos que pedem algo que eu não sei identificar. O que será?
Ignoro, continuo a escrever, e percebo que não desiste, quer o meu iogurte. Afinal não era nada profundo e delicado, era apenas gula.

Obrigada por se preocuparem. Por agora apenas isto a relatar: dúvida, incerteza, preocupação. Uma preocupação como nunca pensei ser possível. A impotência. A incerteza. Quero pensar que estou a fazer tudo conforme. Estarei?

domingo, 21 de julho de 2013

Abrandar o ritmo

O Doc está cansado.
E com ele, também eu vou abrandar o ritmo.

Preciso adaptar-me, preciso de tempo, preciso de não me desanimar quando olho para ele ofegante num passeio curto. Preciso olhar em frente, dizer-lhe que vamos conseguir, e que em breve estaremos nos nossos passeios iguais a antes. Por agora preciso abrandar apenas, e adaptar-me ao seu novo ritmo.

Quem conhece os weimaraners sabe que eles têm um ritmo estonteante. Os últimos 6 anos da minha vida foram a esse ritmo com o Doc, pelo Doc. Está na hora de abrandar.
Isto sou eu a mentalizar-me, a tentar dizer para mim mesma que está tudo bem, que não há motivos para me preocupar. No meu interior o coração aperta até ficar encolhidinho, só de pensar que este abrandar será definitivo. Mas não vai ser. Vamos lutar os dois, continuando a caminhar, para manter a forma, passeios mais curtos, mais lentos, com pausas se for preciso. Mas não vamos parar. Vamos só abrandar. Prometo.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Dia 1 de quimioterapia

Hoje foi o dia Q.
Não me canso de agradecer as mensagens de ânimo, de força, os olhares, os abraços e os emails. Sei que estou algo lamechas, mas vocês têm-me dado tanto carinho que me sinto impelida a começar este post com um enorme agradecimento a todos os que fazem parte das nossas vidas. Obrigada!

O dia começou bem cedo, quase sem ter terminado o ontem.
Preparei as coisas e lá fui com o Doc para a clínica. O sorriso do costume tentou apaziguar a ansiedade que eu tentava esconder. Preparar, apontar... Cateter, adesivos, manta, sistema de soro, uma cadeira para mim, e lá fomos nós.
O Doc portou-se tão bem que me deixou orgulhosa e tranquila. A sua tranquilidade em comparação com a minha angústia ensinou-me tantas coisas ao longo das horas que ali estivemos. Temos, efectivamente, muito a aprender com os animais.
Correu tudo bem. Nada de enjoos, de vómitos, nada de nada. A sério? Alívio.



As horas foram passando, o Doc com a cabeça em cima das minhas pernas, do meu braço, nas minhas costas, na minha mão, à medida que me ia movimentando tão cuidadosamente quanto conseguia para não o incomodar. Falei muito com ele. Esgotei o meu reportório de palavras doces, e quando fiquei sem saber o que dizer, li para ele. Pois é, li para ele. Ele levantava a cabeça sempre que passava gente, ou quando ouvia um som mais estimulante vindo da sala de espera ou do consultório. Ou quando eu parava de ler. Então li.

Encostei a minha cabeça à dele, e acho que adormeci breves instantes, vítima do cansaço. Foi ele que me tranquilizou. Não preciso de mais nada. Preciso que ele me tranquilize sempre.
Enquanto o tempo passava tentei ter pensamentos positivos. Imaginei-o velhinho, encostado a mim no sofá, e fiquei algum tempo com essa imagem na cabeça. Ia-lhe dizendo as coisas que ainda temos para fazer nas nossas vidas, e o tempo passou.

Viemos para casa, ambos exaustos. Descansamos juntos, eu vigilante, ele tranquilo. Bebeu, comeu, fez as necessidades, tudo normal. Tentou roubar comida aos gatos, tudo como sempre. Fomos passear, uma volta curta para não abusar, e a habituação ao açaime aos poucos, para que não incomode muito. Acho que foi para ele o pior, o açaime. Optei por lhe pôr um açaime na rua para me certificar que não ingere porcarias num momento de distração.

Depois, porque tenho o melhor "marido" do mundo, pude ir à inauguração da exposição de fotografia do curso que fiz. Quando soube da coincidência de datas, achei que tinha calhado mal. Agora que cheguei a casa sei que foi o melhor que podia ter acontecido. Distraí-me por umas horas, recebi o carinho de amigos que me visitaram e me fizeram sentir importante por ter 3 fotografias expostas, mas sobretudo, que me mostraram que estão comigo. Diverti-me, ri, brinquei, e agora voltei para casa. O Doc e o Miguel dormem enrolados um no outro, o Cusca está na cama dele, e os gatos procuram-me para um carinho de final de dia. E é assim que chega a certeza de que fiz a opção acertada. Independentemente do desfecho. Para já está tudo normal. Como A.Q. - antes da quimio.
Se o amanhã for tão bom como o hoje, estarei bem.
Obrigada pelo hoje.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

As noites...

As noites têm sido o pior. Toda a minha vida, não apenas agora. Em todos os momentos piores, as noites nunca passam.
Sinto-me fraca durante o dia, mesmo que possa não consigo descansar, porque no fundo não são as noites o pior, mas afinal é o tempo que antecede o relaxamento necessário ao sono.
São 2h04 da manhã, o Doc ressona aqui ao meu lado no sofá, com o Cusca enrolado entre as suas patas e as minhas pernas. Estou muito cansada, os olhos ardem-me, não consigo ver mais televisão.

Hoje tive, mais uma vez, que enfrentar que o Doc está envelhecido. Envelhecido, ou doente? Tantas vezes o comparamos, a Inês e eu, ao seu irmão de coração, o Kinder, para nos convencermos que é a idade que provoca neles estas alterações. Ainda são novos. Seis anos e meio de cão.
O Kinder e o Doc conheceram-se pouco tempo depois de terem chegado às nossas vidas, e foram eles que nos juntaram, à Inês e a mim. Fazem um mês ou dois de diferença, e sempre foram muito semelhantes, em tantas coisas, que até assusta. São muito diferentes em tantas outras, mas essas não interessam agora.
O Doc há uns tempos que deixou de saltar voluntariamente, com à vontade, para a mala do carro. Ao início julguei ser preguiça, agora não estou tão certa. Hoje fomos a um dos sítios que mais gosta de visitar, onde há espaço para correr e brincar, e não fez nenhuma das coisas. Só depois de algum esforço o consegui persuadir a ir buscar a bolinha mas, como podem ver, não foi com muito entusiasmo.
Mas, em boa verdade, o Doc sempre fez o que quis quando quis. Julgo que foi o tempo que o fez aprender a agradar-me. E às vezes só faz certas coisas por mim, porque eu quero, porque me apetece, e não propriamente pela vontade que sinta. E hoje foi buscar a bolinha e trouxe-ma, para depois a ir buscar de novo, porque eu queria que corresse.
Na verdade, não queria que corresse apenas. Queria que corresse, que saltasse, que brincasse, que cheirasse, que rebolasse na relva, que fosse cão livre, feliz, uma vez mais.

Eu queria tudo para hoje, para não pensar no amanhã. Sim, é já amanhã. Ás vezes sinto que estou a exagerar com as preocupações, outras parece-me que posso estar a sobrevalorizar a situação.
Mas não consigo. É o Doc. Eu sou do Doc. Sou mesmo a pessoa dele e não quero deixar de o ser. E este processo todo faz-me reflectir sobre tudo, sobre o que vivemos, sobre o que ainda não vivemos, sobre as perdas todas da vida, sobre a difícil decisão da eutanásia quando chega o momento. Quando é que chega o momento? Já "dei ordem" de eutanásia a dezenas de animais. Lembro-me de todos. Dói mais quando penso nos que eram da família, mas os que nunca foram de ninguém também importam. Porque esse gesto, que para mim pode ser um dos mais difíceis e último acto de amor, não é tomado nunca, nunca, nunca de ânimo leve.
É talvez um pouco estranho que já tenha imaginado que esse momento há de chegar com o Doc. Talvez me julguem por já ter revisto, over and over again, a minha viagem para aquele sítio especial, para a última despedida deste meu grande companheiro. E sofro de cada vez.

Claro que sei, racionalmente, que todos morrem um dia. Não vivo a pensar que vou perder as pessoas que me são próximas, nem os animais. Ainda bem. No entanto, há momentos em que, de um modo demasiado rápido, visualizo certas imagens, e não sou rápida o suficiente para as afastar sem que antes causem danos.

Tinha muito medo de perder o meu Pai. Sempre achei que iria morrer no dia em que ele partisse. Só de pensar na ideia, conceptualmente, ficava aflita, a hiperventilar e com taquicardia. Tais sinais psicossomáticos não se manifestaram, de todo, quando o momento chegou.
Então, agora tento racionalizar, deduzir que não vai ser nada como imagino agora. Que não o vou perder tão cedo e que, quando isso acontecer, não vai ser nada como imaginei antes. Vai ser pior. É aqui que páro a racionalização e arranjo algo para fazer, para afastar as ideias.

Nunca estamos verdadeiramente preparados para nos separarmos de algo que amamos. Nunca estamos verdadeiramente preparados para deixar partir.

Amanhã começamos o tratamento cujo nome hoje não quero nem escrever.
O Doc está a sonhar aqui junto a mim. Nunca caçou, e eu sou contra a caça, mas espero, no meu íntimo, que esteja a sonhar que está no campo, a perseguir coelhos ou perdizes, muito entretido a farejá-los. E que está feliz.


quarta-feira, 17 de julho de 2013

O tempo passa devagar.

Normalmente os meus dias passam demasiado depressa.
Esta semana está a demorar muito a passar. Hoje é quarta-feira, e já tantas vezes pensei que fosse quinta. Era terça, e já só pensava na quarta-feira. Estou desorganizada. O tempo passa devagar e na verdade não percebo bem porquê.
Se estou apreensiva com a quimio que começa na sexta-feira, devia estar a aproveitar todos os momentos entre o aqui e o lá, e o tempo passaria mais depressa.

Não deixa nunca de me surpreender esta dimensão que o tempo tem que o torna só nosso. Julgamos que passa depressa por vezes, outras anda demasiado devagar. Somos tão agarrados ao futuro que acabamos por não viver o presente plenamente. Sobre os tempos verbais já escrevi muitas vezes, e quem me conhece sabe que tento aprender com o passado sem ficar agarrada a ele, viver o presente como se não houvesse futuro, e pensar no futuro apenas como consequência das escolhas que faço no presente. Mas na verdade, são tudo meras tentativas. Sou ansiosa e ponto final.

Antes de começar a escrever este blog pensei muito. Se, por um lado, não queria expor publicamente um lado tão privado de mim, por outro não queria despertar nas pessoas emoções como a pena, o pesar, o lamentar. Depois, pensei que teria que tirar algo positivo desta experiência e talvez, com sorte, pudesse a minha escrita ajudar alguém hoje ou amanhã.
Nunca pensei receber tanto apoio. Tenho recebido mensagens, emails, telefonemas, sms, toda a panóplia de opções de comunicação que a era moderna nos permite. De pessoas próximas, menos próximas, pessoas que já não vejo há uma eternidade, desconhecidos.
Acho que não consigo passar para palavras aquilo que todos vocês, que me lêem, me fazem sentir.
Alguns contam-me histórias pessoais, experiências semelhantes, outras não tão parecidas, mas todos temos em comum a importância que damos aos cães nas nossas vidas.
Uma das minhas citações favoritas de sempre diz "Dogs are not my whole life, but they make my life whole". É isso que me une a vocês todos, que me lêem na blogosfera.
Páginas de angústia, de dor, de sofrimento, mas também de carinho, de humor, de alegria.

O nosso amor pelos cães é o que temos em comum. Os corações de pessoas que amam e protegem os animais são sempre bem-vindos à minha caixa de correio.

Deixo-vos hoje com um gigante OBRIGADA, por estarem aí e por nos ajudarem todos os dias, a mim, ao Doc, e a toda a nossa família, a sentirmo-nos um pouco melhor.


terça-feira, 16 de julho de 2013

Relembrando os tempos

O Doc já foi um cachorro.
Lembro-me bem da primeira vez que o vi, quando me baixei para o receber e ele, com aquela sua felicidade ingénua de cachorro... me ignorou completamente e se entreteve nas ervas mais próximas a cheirar!
Podem pensar que isso para mim foi uma desilusão, mas não. Na verdade hoje significa muito para mim. Porque haveria de vir na minha direcção, se não passava de uma estranha para ele?



Desde que ele chegou à minha vida já aprendi muito sobre educação e comportamento canino. Até ele chegar tinha muitas noções, provenientes da experiência de quem sempre viveu com cães, e de quem trazia já alguns anos de bagagem a lidar com cães de rua (silvestres e dóceis). Muitas dessas noções estavam erradas. Lembro-me de ter pedido ajuda a um amigo para o treinar, e de me ter explicado como ensinar-lhe tudo em positivo, através de recompensas, mas depois me ter recomendado uma coleira semi-estranguladora para o ensinar a não puxar. Lembro-me de ter ido com ele praticar no parque, e de como apanhou um susto tão grande enquanto tentavamos ensiná-lo a deitar, que criou ali um bloqueio que só depois de mudar a palavra é que se dissipou.
Neste processo, fui crescendo, e comigo crescia também a minha paixão por esta àrea.

O que hoje tento transmitir aos clientes que me procuram é que nem sempre o senso comum é correcto, e que muitas vezes algo que funcionou com um cão não tem porque funcionar com outro(s). E o que me apaixona nesta profissão é ver a mudança nos cães, e na sua relação com as suas pessoas.
Claro que há dias tristes, quando quem nos procura não está disposto a abdicar de hábitos antigos, ou a investir algum tempo e dinheiro na sua relação com o seu cão. Mas continuo a ter, na maioria, dias bons.

Voltando ao Doc. Depressa percebi que havia muitas coisas que lia ou que me ensinavam que não faziam muito sentido, e fui procurar informar-me melhor. Sempre me fez confusão, depois de ter aprendido sobre o reforço positivo, o clicker, e como recompensar comportamentos adequados, que continuasse a ver pessoas que praticavam esta vertente tão bem, mas que depois continuassem a usar castigos (uns mais punitivos do que outros, é certo), para corrigir comportamentos. E devo confessar que só muito recentemente, há cerca de 1 ano e pouco, é que pude ter realmente a noção do que é "Treinar em positivo". Não é só uma metodologia de treino, é uma forma de estar na vida com a qual muito me identifico. É não pensar o que temos que corrigir, mas antes o que podemos fazer em vez de.
Se alguém rói as unhas, não pára apenas porque a estão sempre a chamar a atenção, ou a bater-lhe na mão, pois não? Que podemos ensinar essa pessoa a fazer para evitar que roa as unhas? Porque é que rói as unhas?
Tenho muita pena de não ter podido seguir esta linha com o Doc desde o momento em que chegou à minha vida. No entanto, mudanças estruturais na forma como lido com certos comportamentos desajustados têm mostrado resultados muito favoráveis. Talvez nem todos saibam que o Doc é um autêntico ladrão de comida. Sobretudo pão, ou lenços ranhosos na rua, sendo que encontra iguarias nas mais variadas coisas asquerosas com que nos cruzamos. Desde que mudei a minha forma de encarar esse seu "defeito", temos feito muitos progressos. É sempre tempo de mudar, sobretudo se for para melhor.

O Doc não tem defeitos. Tem aspectos a melhorar.





segunda-feira, 15 de julho de 2013

Hoje pudemos brincar e aprender

Hoje o dia passou depressa demais.
Quando chegou a disponibilidade para a voltinha diária, decidi substitui-la por 3 sessões de treino para cada cão. Ainda não o disse aqui, mas o Doc tem um nariz espantoso, e andamos a trabalhar essa sua capacidade. Já é capaz de detectar duas substâncias diferentes, e marcar cada um delas com um comportamento diferente. O objectivo é chegar às seis. Tento não pensar que, provavelmente, não vamos ter tempo para atingir o nosso objectivo.
Divertimo-nos mesmo muito quando brincamos às buscas. Então hoje foi dia para nos divertirmos.
O olhar dele assume um êxtase quase inexplicável quando me vê a calçar as luvas de látex para preparar o circuito de busca com as substâncias. Somos felizes enquanto equipa.

Passei uma parte do dia a visualizar a próxima sexta-feira. Fico com ele durante o tratamento, não fico? O que será melhor para ele? O que o deixará mais tranquilo e confortável? O meu instinto diz-me para ficar com ele todo o tempo, o que for preciso, tranquilizá-lo enquanto tiver que estar na jaula, com o cateter a permitir a entrada das drogas. O meu lado mais racional faz-me pensar que talvez fique mais tranquilo na minha ausência, sempre que fica na clínica fica tão calmo que me faz sair de lá com um orgulho imenso depois de ouvir que ele "se portou tão bem". Mas vou ficar com ele. Mesmo que isso implique não ir trabalhar nesse dia. Ou não vou? Vou.
São estas as dúvidas que me vão assaltando enquanto penso no que vai ser esta fase das nossas vidas. Só dúvidas. Questões às quais não consigo responder com a segurança que me caracteriza em tantas outras coisas. Tantas "grey areas". Tantas dúvidas, tantas. Talvez lhe possa preparar um brinquedo com comida para levar para a sessão. Mas se o brinquedo rebola, e ele tem que o perseguir? Não, é melhor sem brinquedo. Ou com brinquedo? Com brinquedo ficaria mais entretido, e alheado do facto de ter um cateter na pata a injectar drogas. Mas ele não sabe o que é que vai ter na pata. Sem brinquedo. Talvez um osso de roer? Não, porque ele gosta de os agarrar com as patas. Com o cateter não vai poder.
Percebem? Isto é o que me passa pela cabeça, crú, sem edição.
Achei que me podia dar ao luxo de escrever assim em versão "raw" para ver se conseguia transmitir o que me passa pela cabeça. Agora ao reler vejo que talvez, mesmo assim, não seja simples. Porque as teclas não acompanham o ritmo da mente. Nunca o conseguirão fazer.



Já me disseram que tenho uma mente hiperactiva. Como psicóloga, não reconheço o conceito, mas percebo o que querem dizer. As minhas dificuldades de concentração advirão todas daí, julgo.
O Miguel costuma dizer que tenho que deixar de planear os dias como se tivessem 24h. Depois ri-se, e diz que se tivesse o meu ritmo, certamente teria um AVC rapidamente. Eu não me rio. Quando o ritmo abranda, não sou capaz. Atiro-me para o sofá e só consigo dormir e fingir que durmo.
Na verdade, preciso da adrenalina da falta de tempo e da pressão dos "deadlines" para funcionar. Sem isso não sou eu mesma. Patológico?

O dia está a acabar, já dei o jantar aos cães, que agora dormem tranquilamente no sofá. Vou juntar-me a eles. Até ao Miguel chegar e podermos jantar.


domingo, 14 de julho de 2013

Hoje

Depois de alguns dias seguidos a escrever na blogosfera, finalmente cheguei ao dia de hoje.
A partir de hoje a escrita perde o carácter de resumo dos últimos meses, e torna-se mais um diário, onde tenciono escrever sobre o dia-a-dia de um cão com cancro e a sua família. Obrigada a todos pelas mensagens de ânimo, pelas energias positivas, e sobretudo, por me "lerem". Quero muito poder continuar a contar com vocês todos.

Não me arrependi de ter começado a escrever. Ao início tinha medo.
Os últimos anos têm sido dedicados completamente ao meu trabalho com cães. Tem sido uma luta constante, desgastante, e já algo longa para conseguir mostrar que as Intervenções Assistidas por Animais têm espaço em Portugal. Que os cães podem ajudar as pessoas. Que as pessoas podem ajudar os seus cães, se os educarem devidamente e se conseguirem comunicar mais eficazmente com eles.
Encontrei uma equipa fantástica, que começou apenas com a Inês. Daí vieram mais duas, e agora somos 4, e 3 cães, a lutar diariamente por um trabalho que adoramos e que acreditamos que venha a ter bom futuro em Portugal. Nestes anos de luta, já tive momentos menos bons, mas nunca quis desistir. Já me ocorreu desistir, mas nunca o quis fazer. Acredito tanto na nossa equipa!

Tinha para o Doc grandes expectativas. Queria torná-lo num cão de terapia, e desde cedo o eduquei nesse sentido. Tornei-o num cão confiante, que não teme nada e que se sente confortável em qualquer sítio, que consegue concentrar-se mesmo em ambientes demasiado estimulantes, que não sente urgência em fazer mais nada que não seja trabalhar comigo, para nós, para a nossa diversão. Mas o Doc não chegou a ser um cão de terapia. Não aprecia especialmente estranhos, querendo com isto dizer que não lhes dedica nem um segundo da sua atenção, a menos que tenham algo que se coma. O interesse desvanece-se imediatamente depois de comer.
É importante que um cão de terapia goste de pessoas, que seja afectuoso com todas, que crie um vínculo imediato. O Doc não. Os Weimaraner são muitas vezes chamados "cão velcro" porque "colam"  na sua pessoa. O Doc colou em mim, e eu nele.

Depois de termos feito os exames todos, e ter sido dado o ok para a quimioterapia, a nossa vida continua igual. Vamos começar o tratamento na próxima sexta-feira, e só eu estou apreensiva. O Doc não. Continua igual a ele próprio, sem perceber porque é que, de repente, me agarro a ele enquanto dorme, e deito a minha cabeça no seu dorso, enquanto lhe massajo as orelhas e olho para a televisão sem conseguir ver nada. Acho que não entende os meus olhares, enquanto aqui escrevo, e olho para ele de relance, parando os meus olhos nos dele um pouco mais para além do habitual. Não sei se se apercebe das lágrimas que se formam nos meus olhos só por olhar para ele. Acho que não. Ele continua apenas a aproveitar a vida, tal como ela é.


Tiro grandes lições dos meus animais. Todos os dias, praticamente, me ensinam qualquer coisa. Vivendo com uma gata quase cega, e com um gato tripé, muitas vezes dou por mim a olhar para eles e para as suas vidas plenas, a sua felicidade simples, livre de preocupações. A autocomiseração realmente é uma característica muito humana, e os animais ganham tanto com a falta dela... Nenhum deles fica a queixar-se por não ver, ou por não ter uma pata, limitam-se a viver plenamente cada dia e a contentar-se com pequenos prazeres que o ser humano teima em ignorar. Tento pensar nisto todos os dias, e esforço-me por não ignorar. Por isso mesmo, vou levantar-me agora para ir dar um passeio com eles. Livre de preocupações. Só nós. Eu e os cães.

sábado, 13 de julho de 2013

A Mudança

Não sei quanto tempo passou. Uma semana? Duas?
A vida continuava, os afazeres do quotidiano a voltarem a assumir importância após um período em que não consegui pensar nada para além da decisão que tinha para tomar.

Uns dias de calor horríveis fizeram com que o tempo passasse devagar.
O Doc estava bem, as feridas já a cicatrizar, e eu também me sentia melhor.

A minha Mãe sempre teve bons conselhos para mim. Nem sempre os soube dizer da forma mais apropriada, é certo, mas é isso que faz com que seja tão especial. Tinha-me dito, anteriormente, que seguisse o meu coração, e que parasse de pensar na decisão. Que só quando parasse de pensar é que conseguiria decidir. E assim foi.

Decidimos ir a Lisboa com o Doc, para consultar um especialista. Já sabia que ele era a favor da quimioterapia, mas decidi ir para explorar outras hipóteses, drogas recentes, tratamentos alternativos, qualquer coisa que me permitisse continuar a viver com o Doc tal como ele está. Bem.




Voltamos com uma notícias boas, e outras menos boas. Começamos a acreditar que seria necessário começar a quimioterapia. O oncologista recomendou punções ao fígado e aos gânglios para verificar que não haveria infiltrações de mastócitos. Foi muito seguro, identificou o Doc como sendo um caso de risco por apresentar tumores múltiplos, e sugeriu quimioterapia imediata. Relevou as minhas preocupações quanto a riscos, fez piadas sobre cães em tratamento a fazerem surf na praia, garantiu-me que a nossa vida poderia continuar praticamente normal. Convenceu-me.

Afinal, a decisão ainda não tinha sido tomada. Qualquer decisão está a tempo de ser alterada em qualquer momento. Eu só quero o melhor para o Doc. Só não consigo nunca, independentemente da decisão, ter certezas. Convenci-me disso. Nunca iria ter certezas. Qualquer opção era um risco.

De volta ao Porto, era tempo para fazer os exames pedidos. O Doc adorava ir à clínica. No semáforo anterior ao local onde estacionamos, começava a ficar agitado, e enquanto fazia as manobras para estacionar começava a chorar baixinho, como faz sempre que chegamos à praia, ou a qualquer outro sítio que adore. Do carro até à clínica vou sempre a ser puxada, apesar dele normalmente não puxar a trela. Adora entrar no gabinete de consulta e tentar perceber se há algo que possa roubar. Depois destes anos todos, de picadelas constantes no gabinete, de várias anestesias, ecografias, Rx, exames de rotina, continua a adorar lá ir. Espero que assim continue.


Fiquei preocupada com a punção ao fígado. Não me podem tranquilizar, estamos a perfurar um orgão vital, e isso pode ter consequências. Felizmente, tudo correu bem, e no dia seguinte estávamos de volta ao parque, e com boas notícias. Zero infiltrados. 


Engraçado como estas pequenas vitórias assumem uma dimensão que nos fazem sentir capazes de dar uma festa! Fiquei tão contente. Nem tudo corre mal. Sinto uma onda de optimismo invadir-me, mas é passageira. Quando começo a levantar o queixo e a sentir-me capaz, noto que já não estou tão optimista. Então?? Estava a saber tão bem. 


sexta-feira, 12 de julho de 2013

Decisões

Depois de mais de metade da minha vida ligada à protecção de animais, e nos últimos 6 anos maioritariamente à esterilização de animais que vivem na rua, acabei por conhecer e tornar-me próxima de pessoas extraordinárias.
Pessoas fortes, determinadas, que não recearam dedicar parte das suas vidas aos animais de ninguém. Ao lado dessas pessoas fui crescendo, aprendendo, e algumas delas assumem hoje um papel muito importante na minha vida. São as minhas amigas "dos bichos" é certo, e foi junto delas que encontrei o conforto do ombro que não me iria julgar por se tratar "só de um cão".

Não saberei nunca definir esse conceito "só um cão", porque para mim tal coisa não existe.

O Doc foi submetido a nova cirurgia, que correu bem. Foi com ansiedade que aguardei o resultado das análises, que iriam identificar o novo nódulo, e ditar o veredicto quanto à limpeza cirúrgica do já removido anteriormente.
Entretanto estudava e aprendia coisas interessantes, como por exemplo que os mastócitos estão envolvidos na reacção aos processos alérgicos e que contêm histamina no seu interior. Comecei a lembrar-me da história clínica do Doc. Quando veio para minha casa, vinha com uma enorme otite, que lhe provocou semanas de dor e limpezas constantes. Aos 5 meses começou a apresentar reacções alérgicas constantes, e fez vários tratamentos, até que optei por lhe fazer um teste específico que viria a especificar as fontes das suas alergias e a permitir imunoterapia.

De repente, dei por mim a lembrar todos os momentos mais importantes desde que ele chegou à minha vida. É incrível o efeito que estes processos têm em nós. Já tínhamos falado em quimioterapia, mas não queria pensar nisso. Queria pensar que tudo iria ficar bem com a cirurgia. Os resultados, porém, obrigaram-me a pensar nisso. O nódulo da coxa era também um mastocima de grau II. O tecido removido após a limpeza cirúrgica apresentava, apesar dos seus 4cm (mais do que o recomendado), margens sujas - o que significava que continuavam a existir células tumorais no local.

Relembrei os nossos passeios na praia, tão frequentes. Relembrei os primeiros treinos, as pistas de agility, a forma tão especial que ele tem de se relacionar com outros cães. Vi várias expressões do seu focinho, aquela em que me diz que precisa de alguma coisa, outra que faz quando fica chato e quer a todo custo que preste atenção, e a mais doce de todas quando dorme profundamente.
Lembrei-me das 28 vezes seguidas, contadas, quando era cachorro, em que o tirei do sofá enquanto lhe dizia "chão", até que ele acabou por me vencer pelo cansaço, e ficou a dormir comigo.
Pensei tanto nas suas orelhas a abanar enquanto corria freneticamente apenas parando para comer um qualquer lixo interessante que se lhe apresentasse.
Recordei com um sorriso a nossa primeira viagem em trabalho, quando, numa herdade algures no Alentejo, e ainda com pontos da cirurgia de castração, correu desenfreado sem ver a piscina, e ali caiu num susto.
Não pude evitar uma gargalhada ao recordar aquela vez em que decidiu comer-me umas cuecas, e acabamos o dia a explorar o conteúdo do seu estômago através de uma endoscopia de emergência, enquanto o veterinário brincava. Umas reveladoras letras s-e-x também eram parte do conteúdo.
Todos estes sustos e eventos agora perdiam dimensão, através da janela de tempo. Curioso. Espero um dia escrever aqui sobre o susto dos mastocitomas, e do medo dos tratamentos, do pavor de ver o Doc a entrar numa espiral de sofrimento sem retorno sem nada poder fazer, com um sorriso e uma tranquilidade que só o tempo sobre os finais felizes nos traz. Quem sabe?



Tantas pessoas que foram importantes para nós durante os anos... Umas ficaram por perto, outras foram seguindo com as suas vidas, mas todas são sempre lembradas com carinho.
Os amigos são importantes. Quimioterapia.
Fui reler as pesquisas, todas recomendavam radioterapia para este tipo de tumores. Em Portugal não há. O custo de uma unidade para permitir tratamentos por radioterapia é demasiado elevado para se justificar fazê-lo para medicina veterinária. Os amigos. Informei-me. Em Espanha também não se faz radioterapia. Já se fez, mas já não se faz. Local mais próximo: Paris.

O pior para mim são, sem dúvida, as decisões. Ter que tomar decisões que irão afectar, provavelmente de forma irreversivel, a vida do Doc, sem saber qual a mais correcta. É a incerteza que me mata por dentro aos poucos.

Ter uma veterinária que se tornou uma amiga ao longo dos anos, poder estar numa clínica em que nos sentimos em casa, e contar com o apoio de todos que ali trabalham, é muito importante. Para mim tem sido. Consultei especialistas. Em Portugal e em Espanha, graças aos amigos. Todos recomendavam quimioterapia.

Mas eu...
Eu estava tão insegura sobre o caminho a seguir. Nunca fui a favor do prolongamento da vida em sofrimento. Não quis ser egoísta com o Doc, retirando-lhe a qualidade de vida que hoje tem, em prol de um tratamento que lhe poderá apenas causar mau estar. A minha mente não conseguia desligar da decisão premente, o meu coração não aguentava com tanta angústia e decidi desligar.
Optei por não fazer a quimio, enfiar a cabeça na almofada à noite, e aproveitar ao máximo todos os dias com o Doc. Prometi que lhe ia dar ainda mais de mim cada dia.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Continuamos a luta

Então, depois do susto, da reflexão e do estudo, era necessário decidir o que fazer.
O Doc estava prestes a retirar os pontos da cirurgia, quando lhe aparece um novo nódulo na coxa.
Tive a sorte de ter uma equipa de veterinários a conhecer o caso, a opinar, e a aconselhar-me.
Ao meu lado, o Miguel, que sempre conseguiu que contivesse uma lágrima ou duas, e que lhe lançasse um sorriso em vez disso, apenas para evitar ver a tristeza profundíssima no seu olhar.
A toda a volta, família e amigos davam o apoio que conseguiam.

O ano não está a ser fácil para nós. As perdas sucedem-se, e temos que nos adaptar a elas. A vida muda muito quando se perde um Pai, ou uma Mãe. Por muito que queiramos encarar a perda, e continuar a viver, há sempre uma parte de nós que não volta mais.

Quando o meu Pai partiu, sei que algumas das pessoas que me são mais próximas passaram um momento díficil, com receio do impacto que a perda fosse demais para mim. Estiveram meses à espera que me fosse abaixo, quando passou um ano começaram a habituar-se à ideia de que talvez esse momento não chegasse. Definam "ir abaixo". O meu Pai partiu, e não volta mais. A minha Mãe continua aqui a lutar, de cabeça para cima, mesmo depois de ter perdido o seu companheiro de vida. Não há tempo para ficar a chorar. Aprendi a sentir o meu Pai de outra forma, todos os dias, nos pequenos momentos da vida. Falo com ele, sinto-o presente nos momentos importantes, mas faz-me muita falta. Tenho saudades da sua gargalhada, tento não esquecer-me do tom suave da sua voz, e recordo muitas vezes algumas expressões muito típicas. Avancei, e continuo a avançar. O Doc estava lá quando soube, claro. Lembro-me como se fosse hoje. E do quanto me custou afastar-me do Doc para ir despedir-me do meu Pai.

O Miguel é muito diferente de mim. Queria ajudá-lo a sentir a sua Mãe como eu sinto o meu Pai.
O Miguel não diz, mas o Doc tem ajudado. O Doc, o Cusca, e os gatos. Com as nossas brincadeiras diárias, o tempo vai passando, os sorrisos são mais frequentes, mas parte do Miguel não volta mais. Como parte de mim também não volta.

Os passeios. As nossas voltinhas são só nossas, a 12 passos. Passeios revigorantes, em que falamos de tudo às vezes e outras, não falamos de nada. Os cães vão cheirando, sentindo, vivendo. E nós também.
As nossas voltinhas ajudam todos.



Decidimos fazer análises, antes de submeter o Doc a nova cirurgia para remoção do novo nódulo, e limpeza cirúrgica do primeiro já removido. As análises mostraram algumas alterações, e eu senti-me a desfalecer. Fui tranquilizada, e os valores acabaram por normalizar, após algum tempo. Agendamos a cirurgia.


A vida corria-nos bem

Com o amadurecimento do eterno adolescente, a nossa vida melhorou. Julgo que as formações que ia fazendo também me iam ajudando a satisfazer cada vez melhor as suas necessidades.
Depois de um período bastante instável, com várias mudanças de casa, mudanças de rotinas, e uma perda insuperável de um elemento da família, acabamos por encontrar o nosso sítio, numa casa próxima do nosso destino de todos os dias: o Parque da Cidade.
Entretanto o Miguel e o Cusca também entraram nas nossas vidas, devagarinho e, com os gatos, formámos a nossa família.

O Doc esteve sempre comigo em alguns dos piores momentos que vivi. Nesses momentos, conheceu-me a tristeza nos longos passeios que dávamos, em silêncio, à beira-mar. Arrancou-me sorrisos quando, com o seu olhar esbugalhado, me olhava à procura de diversão. Fez-me correr, manteve-me activa, quando a única coisa que me apetecia era enfiar a cabeça na almofada e desistir do mundo.
Se não fosse o Doc... Não sei como teria ultrapassado algumas coisas, e sei que não seria hoje a mesma pessoa que sou. O Doc teve um papel determinante na pessoa em que me tornei. Não imagino como vá ser sem ele.

Chegou o dia em que, depois do meu exame de rotina aos seus sinais, percebi que, por baixo de um sinal que ele tinha já há algum tempo, se começou a desenvolver um "papo". Depois de me informar, fiquei a saber que possivelmente se tratava de um lipoma, inofensivo, portanto. Não me deixei tranquilizar, e permaneci atenta, e o papo foi crescendo. Depois, apareceu-lhe um novo sinal, com volume, na cabeça. Tomámos a decisão de o operar, e remover o sinal volumoso, o sinal base, e o papo. Resultado: os sinais não eram malignos e o "papo" era mesmo um lipoma.
Mas, na mesma cirurgia, a fantástica médica veterinária que o segue desde sempre, teve um impulso, e decidiu remover também um nódulo do dorso, que ele tinha já há bastante tempo, e que tudo indicava ser de origem sebácea, e portanto inofensivo - "Maria, espero que não se zangue comigo, mas removi também o nódulo do dorso, aquele, sabe? Pensei que se crescesse íamos ter que remover, e assim já fica, não temos que o submeter a mais uma cirurgia" - Não, não me zanguei. Fez sentido, foi uma decisão ponderada e inteligente, que agradeci.
O resultado da biópsia a esse nódulo: Mastocitoma de grau II.
Foi um sexto sentido, diria eu, que fez com que o bisturi passasse também ali naquele dia. Senti um enorme peso nos ombros quando soube, e senti-me a encolher, quando soube que as análises mostravam que não tinha sido totalmente removido, mantinham-se portanto células malignas no seu organismo.

Não sou veterinária. Sou ansiosa. Comecei uma pesquisa infindável pela internet, procurando saber mais sobre a doença, prognósticos, tratamentos. Encontrei conforto em um ou dois blogs, escritos por pessoas reais, sobre cães reais.
O Doc estava muito bem! Continuava com a sua vida normal, alheio ao que se passava no seu organismo, e decidi que ia tentar prolongar esse estado tanto quanto me fosse possível.


quarta-feira, 10 de julho de 2013

Ponto 1.

Doc = cão feliz
Maria = pessoa do Doc
Cancro = proliferação anormal de células 

Chamo-me Maria. O Doc olha para mim enquanto começo a escrever. Já pensava escrever sobre nós há muito, mas faltava-me a coragem, o tempo. Hoje o tempo chegou e a coragem também. Decidi-me a partilhar experiências por achar que um dia poderão ser úteis para alguém, ou apenas dar ânimo a alguém que tenha que passar pelo mesmo. Espero que sim. 

Sempre vivi com cães, mas o Doc foi o primeiro cão que me recebeu como sua pessoa. Sou a pessoa mais importante do mundo dele, ou pelo menos tenho essa pretensão. 
O Doc acompanhou-me no início da idade adulta e, juntos, passamos por muitas fases importantes da vida. Com a independência veio o Doc, com o Doc veio uma nova forma de estar na vida, que acabou por me mudar para sempre: se hoje dedico grande parte do meu tempo ao trabalho com cães, ao Doc o devo. 

Sempre quis um Weimaraner. Desde que conheci a raça que me apaixonei, e quanto mais lia, mais me apaixonava, e cresceu em mim um desejo enorme de um dia poder ter um. Não sabia na altura que são eles que nos "têm" a nós... A oportunidade surgiu e agarrei-a, mal pude, quase precipitadamente. O Doc chegou, e a minha vida mudou. Um Weimaraner pode ser muito exigente, e o Doc foi mais do que isso. 

Crescemos muito juntos, e tornamo-nos companheiros inseparáveis. Ignorei muitas vezes os comentários de amigos que não percebiam porque ia mais cedo para casa para que "o cão" não estivesse tanto tempo sozinho, expliquei várias vezes às pessoas porque não queria que lhe permitissem certas coisas, e comecei a estudar, a estudar, a estudar. Desde então não parei de aprender sobre comportamento canino, técnicas de educação, tudo o que me permitisse ajudar o Doc a ser feliz, e a nossa relação a crescer. 

A primeira vez que ouvi a palavra "melanoma" veio depois da remoção de um nódulo na pálpebra, aparentemente inofensivo, e acertou-me como um soco. O susto inicial dissipou-se com a notícia de que teria sido completamente removido, e a partir daí comecei a mapear todos os sinais do Doc. Como adora sol, e tem pouco pêlo, começou a ganhar cada vez mais sinais com o passar do tempo, e eu ia vigiando cada um. 
A vida continuava, e nós iamos fazendo o costume, deixando que ela passasse por nós mas aproveitando cada dia o melhor possível.