quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Durante muito tempo, fomos só os dois...

Os meus gatos que me perdoem, porque os adoro.
Mas durante muito tempo fomos só os dois, o Doc e eu.

A Mimi e o Rosca (um simpático furão que preencheu os meus dias durante 6 anos) também eram importantes, mas na verdade, um cão é um cão.

O Doc fez-me companhia, adorou-me, motivou-me, fez-me caminhar, correr e querer mais. Mostrou-me como é diferente ter um cão totalmente dedicado a mim, já que até à sua chegada só tinha convivido com cães "de família". O Doc tornou-me a sua pessoa e como já aqui disse antes, uma pessoa melhor para os outros. Para os outros cães, para as outras pessoas. Simplesmente melhor.
Devo-lhe essa dedicação em dobro, no mínimo. Porque durante o tempo em que fomos só os dois, o Doc preencheu vários vazios que se iam apoderando de mim.

Amanhã temos nova sessão de quimioterapia, e o cenário repete-se. Parece que foi ontem que começámos, mas cada sessão é tão igual à outra, que parece que o tempo não passa. Que estranho. Já não estou tão ansiosa, porque o vejo bem, em geral. Há aspectos que atribuo ao envelhecimento, e que podem ser consequência da quimio ou até da doença. E vice-versa.

Quando éramos só os dois, passamos por muitas coisas. Vivemos bons momentos, momentos excelentes, mas na verdade, o que mais marca são os piores. Nunca compreendi bem porque é que o ser humano parece valorizar, e lembrar, mais os maus momentos do que os bons. Tenho a certeza que os cães não. Os cães valorizam os bons, nunca se esquecem de uma boa experiência, e ultrapassam os maus momentos, em geral, de uma forma que creio que nenhum humano seria capaz.

Os nossos "maus" momentos, foram essencialmente dois. No primeiro, o Doc era apenas um cachorro a entrar na puberdade, e mostrou uma maturidade que não esperava dele. Tendo crescido sempre a exposto a vários estímulos e diferentes pessoas, nunca o Doc tinha sentido necessidade de me proteger. Até ao dia em que sentiu. Não exagerou. Não foi demasiado gráfico. Fez peito, arreganhou os dentes, e emitiu um som semelhante a um rosnar, mas que nunca mais ouvi desde então. Passaram 5 anos e qualquer coisa. E nunca mais o vi assim. Foi o suficiente para mostrar, a uma pessoa que conhecia bem, que o limite era ali, naquele momento. Estou-lhe muito grata. Na altura não tinha eu a maturidade para tratar do assunto por mim mesma, sem um empurrãozinho. O Doc foi o meu empurrãozinho.
No segundo mau momento, o Doc não fez nada. Limitou-se a estar. Quando recebi a notícia de que o meu Pai tinha partido, estava longe, e com o Doc. O Doc não fez nada. Enquanto eu gritei, chorei, esperneei, e apatizei. O Doc continuou apenas a ser o Doc. A existir ali ao meu lado. A tentar chamar a minha atenção, a dormir, a comer, a lavar-se. E era o que eu precisava naquele momento. Que pelo menos uma parte da minha vida se mantivesse livre de mudanças. O Doc não ia mudar. O meu Pai não ia voltar mais, mas naquele dia soube, pelo Doc, que a vida iria continuar tal e qual como era.
Sim, estou a imaginar as vossas expressões neste momento. Não critiquem, por favor. Não, o Doc não me ajudou a superar a perda do meu Pai, isso nunca se "supera". Não, não estou a enlouquecer. Simplesmente me mostrou, naquele dia, pela forma como o dia dele continuou igual a antes, que a vida teria que continuar para mim. Nunca foi igual a antes. Nem será. Mas continuou.

Por isso... É-me muito difícil imaginar a vida sem o Doc MAS sei que, quando o momento chegar, a vida para os restantes de nós terá que continuar. Mas nunca mais será como até ali.




Sem comentários:

Enviar um comentário