segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Sombras...

Mais do que o triste tempo que se tem feito sentir nas últimas semanas, com céus escuros e tormentas várias, ventos fortes, e agitação marítima, descobri finalmente que a nuvem que paira sobre mim é outra.

Contrariamente àquilo em que quis acreditar, não há céu limpo depois do cancro. Há dias parcialmente nublados, e muita muita, mesmo muita ... Sombra.
É à sombra desta doença que vivemos, não só o Doc e eu, mas também os que nos são próximos. A situação criou uma nuvem demasiado grande no nosso céu, e as sombras são tão frequentes nos dias escuros quanto nos claros.

O Doc continua bem, não nos podemos queixar. Os nódulos pequeninos que tem não têm crescido, e às vezes desaparecem totalmente. Conto-os e inspecciono-os várias vezes.
Normalmente é nos passeios que damos que vislumbro levemente uma variação no pêlo, que tento logo atribuir ao movimento, ou às cores do dia, à movimentação das nuvens, às sombras. Quando vou ver com mais detalhe, mais de perto, não era nada.
Hoje foi mais do que nada. Um novo nódulo, do mesmo lado que os outros, sensivelmente do mesmo tamanho. E aquele passeio longo pelo parque, enquanto agradecia mais uma vez a melhoria do tempo e a oportunidade de desfrutar de algum ar livre com os cães e com o Miguel, tão agradável, ficou de outra côr. Tento manter o optimismo, tento relativizar, pensar que é só mais um, que não é nada mas na verdade... é tudo. É tão tudo.

Numa conversa, aqui há dias, tentava explicar a alguém porque é que o Doc e eu somos... o Doc e eu. Acabei por simplificar tudo, dizendo que há cães que só nos aparecem uma vez na vida, e que esse é o Doc. O Doc que mudou a minha vida, o Doc que moldou a minha vida à dele, e que quando desaparecer deste mundo, muita coisa mudará também. Não quero essa mudança. Mas não quero que sofra. Quero ver muitos cães a fazer parte da minha vida, ainda, e que todos sejam especiais. Como o Cusca é. Quero amá-los, respeitá-los, aprender com eles, viver com eles. Mas também queria o Doc connosco.

Então, a sombra é grande e tão presente. Tento ser positiva, ignorá-la, não mostrar o quanto me escurece a vida. E consigo, às vezes, por breves instantes. Consigo sonhar, cada vez mais alto, até sentir novamente o peso dela. Da sombra que está sempre connosco. E hoje quando vi o nódulo novo, que pesada a senti. Senti que os meus braços se baixavam, apeteceu-me ficar ali, no meio do parque, só nós, a visualizar-me a mim própria como num filme, a câmara passava por cima, filmava-nos ao fundo, e rodava, para nos filmar nos 360º possíveis, muito depressa. Foi como senti aquele nódulo. Foi assim. 360º e de volta aonde sempre estivemos. Aqui, um para o outro - Doc e eu - nesta luta onde se vencem algumas batalhas, mas se perdem outras, e onde se encontram sentimentos e emoções desconhecidos, medos insuportáveis, o coração tão apertado de impotência.
E, novamente, as dúvidas. As questões sobre o que fazer e o que não fazer. A razão a olhar para os dados e a tomar decisões calculadas, a emoção a querer tomar conta, os sonhos a parecerem cada vez mais e mais distantes, e ... o Doc a olhar para mim, alheio a tudo, tentando compreender a lágrima que me escorre pelo rosto e a mão que treme enquanto o afaga. Aqueles olhos que não se explicam, aquele focinho de mil expressões, das quais leio já algumas centenas. E esta diz-me: "O que se passa? 'Tás triste?" - Estou, meu querido. Sinto parte de mim desaparecer quando imagino o que se vai passar. Mas já passou, está tudo bem, um biscoito, uma brincadeira, e seguimos caminho, numa felicidade aparente.

Estou triste, hoje. Vou buscar forças ali e já volto.