segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Cicatrizes e outras marcas...

Quando era pequena gostava muito de cicatrizes. Criança travessa, tive que aprender a gostar, senão não teria sido possível crescer com auto-estima.
Sempre achei que me davam charme. Talvez agora isso tenha mudado um pouco, depois dos 30. Mas não o suficiente para mudar de ideias. Continuo a vê-las, a todas, como experiência de vida, que adquiri quando fiquei marcada. Os lábios abertos, o de cima, e o de baixo, o sobrolho cosido a agulha e linha, a frio, por uma freira, a mão aberta a dentes, o nariz partido, duas vezes, o queixo aberto, tantas vezes que nem lembro, a ruptura de ligamentos no braço, o menisco, e os golpes da cabeça... o couro cabeludo esses ajuda-me a esquecer.
O Doc não lembra nenhuma das cicatrizes que tem, não as valoriza, nem alguma delas afectou a sua auto-estima. Há dias fiquei a pensar neste tema, depois de uma troca de emails com uma "amiga" - Sim, Cristina, é mesmo para si! - que conheci por causa do Blog do Doc. Valorizaremos nós demasiado o aspecto dos nossos animais? Sei que o que preocupava essa minha nova amiga não era a cicatriz em si, mas a cirurgia (talvez desnecessária), que a causou.
Também eu gostaria de ter poupado o Doc a tantas intervenções cirúrgicas, a tantas anestesias, a tantas cicatrizes.

Mas, para mim, as marcas com que fiquei fazem parte da minha história, do que sou, daquilo em que me tornei. Inevitavelmente minhas. Com ou sem pontos, marcas por todo o corpo que registam a minha passagem por este mundo, e a minha interacção com ele.
Para o Doc as cicatrizes são agora maiores, e mais visíveis, já que devido à quimioterapia, o pêlo teima em não crescer. Não me importo. Quando as observo, vejo que se tornaram também em marcas da minha vida, da nossa experiência comum nesta luta contra o cancro, que decidi um dia expôr publicamente através deste blog. Só que as cicatrizes dele não irão permancer em mim como as minhas. Irão desaparecer com ele, e aí, em mim, do Doc, vou apenas ter uma mini-cicatriz na cara, de um dente que me espetou quando era cachorro. E é uma das minhas preferidas. Mostra que ele passou por mim, ou eu por ele, e que algures no tempo, co-existimos.

Com, ou sem cicatrizes, o Doc é lindo. E todos os cães e outros animais como ele, que passaram por experiências de dor, todos eles têm cicatrizes. Umas mais visíveis, outras menos. Mas sabem que mais? Diz-me a experiência de anos e anos a resgatar animais em risco que as cicatrizes exteriores são as mais fáceis de sarar, e de esquecer.

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