quinta-feira, 18 de julho de 2013

As noites...

As noites têm sido o pior. Toda a minha vida, não apenas agora. Em todos os momentos piores, as noites nunca passam.
Sinto-me fraca durante o dia, mesmo que possa não consigo descansar, porque no fundo não são as noites o pior, mas afinal é o tempo que antecede o relaxamento necessário ao sono.
São 2h04 da manhã, o Doc ressona aqui ao meu lado no sofá, com o Cusca enrolado entre as suas patas e as minhas pernas. Estou muito cansada, os olhos ardem-me, não consigo ver mais televisão.

Hoje tive, mais uma vez, que enfrentar que o Doc está envelhecido. Envelhecido, ou doente? Tantas vezes o comparamos, a Inês e eu, ao seu irmão de coração, o Kinder, para nos convencermos que é a idade que provoca neles estas alterações. Ainda são novos. Seis anos e meio de cão.
O Kinder e o Doc conheceram-se pouco tempo depois de terem chegado às nossas vidas, e foram eles que nos juntaram, à Inês e a mim. Fazem um mês ou dois de diferença, e sempre foram muito semelhantes, em tantas coisas, que até assusta. São muito diferentes em tantas outras, mas essas não interessam agora.
O Doc há uns tempos que deixou de saltar voluntariamente, com à vontade, para a mala do carro. Ao início julguei ser preguiça, agora não estou tão certa. Hoje fomos a um dos sítios que mais gosta de visitar, onde há espaço para correr e brincar, e não fez nenhuma das coisas. Só depois de algum esforço o consegui persuadir a ir buscar a bolinha mas, como podem ver, não foi com muito entusiasmo.
Mas, em boa verdade, o Doc sempre fez o que quis quando quis. Julgo que foi o tempo que o fez aprender a agradar-me. E às vezes só faz certas coisas por mim, porque eu quero, porque me apetece, e não propriamente pela vontade que sinta. E hoje foi buscar a bolinha e trouxe-ma, para depois a ir buscar de novo, porque eu queria que corresse.
Na verdade, não queria que corresse apenas. Queria que corresse, que saltasse, que brincasse, que cheirasse, que rebolasse na relva, que fosse cão livre, feliz, uma vez mais.

Eu queria tudo para hoje, para não pensar no amanhã. Sim, é já amanhã. Ás vezes sinto que estou a exagerar com as preocupações, outras parece-me que posso estar a sobrevalorizar a situação.
Mas não consigo. É o Doc. Eu sou do Doc. Sou mesmo a pessoa dele e não quero deixar de o ser. E este processo todo faz-me reflectir sobre tudo, sobre o que vivemos, sobre o que ainda não vivemos, sobre as perdas todas da vida, sobre a difícil decisão da eutanásia quando chega o momento. Quando é que chega o momento? Já "dei ordem" de eutanásia a dezenas de animais. Lembro-me de todos. Dói mais quando penso nos que eram da família, mas os que nunca foram de ninguém também importam. Porque esse gesto, que para mim pode ser um dos mais difíceis e último acto de amor, não é tomado nunca, nunca, nunca de ânimo leve.
É talvez um pouco estranho que já tenha imaginado que esse momento há de chegar com o Doc. Talvez me julguem por já ter revisto, over and over again, a minha viagem para aquele sítio especial, para a última despedida deste meu grande companheiro. E sofro de cada vez.

Claro que sei, racionalmente, que todos morrem um dia. Não vivo a pensar que vou perder as pessoas que me são próximas, nem os animais. Ainda bem. No entanto, há momentos em que, de um modo demasiado rápido, visualizo certas imagens, e não sou rápida o suficiente para as afastar sem que antes causem danos.

Tinha muito medo de perder o meu Pai. Sempre achei que iria morrer no dia em que ele partisse. Só de pensar na ideia, conceptualmente, ficava aflita, a hiperventilar e com taquicardia. Tais sinais psicossomáticos não se manifestaram, de todo, quando o momento chegou.
Então, agora tento racionalizar, deduzir que não vai ser nada como imagino agora. Que não o vou perder tão cedo e que, quando isso acontecer, não vai ser nada como imaginei antes. Vai ser pior. É aqui que páro a racionalização e arranjo algo para fazer, para afastar as ideias.

Nunca estamos verdadeiramente preparados para nos separarmos de algo que amamos. Nunca estamos verdadeiramente preparados para deixar partir.

Amanhã começamos o tratamento cujo nome hoje não quero nem escrever.
O Doc está a sonhar aqui junto a mim. Nunca caçou, e eu sou contra a caça, mas espero, no meu íntimo, que esteja a sonhar que está no campo, a perseguir coelhos ou perdizes, muito entretido a farejá-los. E que está feliz.


Sem comentários:

Enviar um comentário