segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

2014!

Aprendi a entender que o cancro não desaparece nunca. É um pouco como os vícios dos quais nos livramos, na esperança de que seja para sempre: um ex-toxicodependente é sempre um toxicodependente em recuperação. O mesmo para o àlcool, o tabaco e outros males. Com o cancro é também assim. Aprendi bem. 

O Doc está óptimo, aparentemente. Voltamos à vida normal, sem medicações, sem sessões de quimio, aos passeios mais longos, aos treinos, às brincadeiras. O meu olho treinado vasculha o seu corpo cada vez que adormece tranquilo, na esperança que não reconheça no meu toque a ansiedade de quem procura o significado de um alto, uma borbulha, um gânglio. Gosto de me ver como cuidadosa observadora, mas na verdade temo estar a tornar-me algo obsessiva. 
Vigio-os todos. Tem dois pequenos no dorso, lado esquerdo, que vão e vêem como lhes apetece, e que aparentam ser borbulhas. Tem um gângliozinho no pescoço, por baixo daquele queixo enbigodado, camuflado na camada de pele - este ora aumenta, ora diminui até praticamente desaparecer, para logo voltar novamente. Este quero tirá-lo já. Na última visita à clínica, para a revisão dos 50.000 - como costumo dizer, na esperança de que, com as minhas próprias piadas, aligeirar um pouco o peso que carrego comigo há largos meses, desde aquele primeiro dia - apareceu um outro vulto, parecido com o do pescoço, junto ao ombro direito. Desapareceu 2 dias depois sem deixar rasto. Tenho-me agarrado às pomadas - todos os dias, duas vezes, lá vou eu empomadar os vultos. 

Então, 2013 foi o ano do cancro. 
Para 2014, chegada a altura de fazer os desejos, o que mais quero é saúde, para mim e para todos os que me são próximos. 

Muito do que já vivi fez de mim a pessoa que sou hoje. Não creio que o cancro me tenha mudado demasiado. Só o suficiente para lembrar uma vez mais que é necessário aproveitar todos os dias neste mundo. 

E assim me despeço de vocês, neste ano já velho, e espero encontrar-vos novamente do lado de lá, já em 2014, cheia de esperanças e expectativas e alegria e boa vontade! Que ninguém me tira da cabeça que as pessoas precisam encerrar o ano e começar um novo como forma de voltarem a encher os copos de esperança, e de força, e de ânimo, para enfrentar o mesmo que já enfrentaram anteriormente mas com um pouco mais de idade, seja sinónimo ou não, de maturidade. 

Feliz Ano Novo para todos! :) 

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Doc a todo o vapor :)

Não sei bem explicar porquê mas toda a vida fui assim. Tenho mais impulso para a escrita quando os sentimentos que se abatem sobre mim são negativos. Sinto uma espécie de necessidade de escrever para  reflectir e digerir algumas coisas. Não me é tão fácil escrever sobre coisas boas.

Na verdade, hoje o post é sobre a nossa vida boa nos últimos tempos. O Doc continua bem, retomou o seu ritmo, e a casa voltou ao normal, com tudo de bom que isso tem... e de mau.
Aventuras de quartas à noite, quando chego tarde e se combinam factores de risco para os ataques do Doc à comida. Mãe em casa, cozinhados da Vovó, e descuidos na cozinha! Esta semana foi uma massa de pão crua recheada de tomate, mozarella, azeite, e mais não sei o quê. Estava o tabuleiro pronto para ir ao forno, para me providenciar alimento à hora de chegada a casa (22h30). O resultado: bolachas com queijo para mim, pão cru recheado para o Doc.

Os passeios voltaram a alargar-se e o Doc está novamente em forma. Uma hora e pico de passeio, até ao parque, pelo parque, um momento de liberdade (e de procurar lixo para comer), e volta para casa. Estamos radiantes. O Doc já quer voltar a correr, já está outra vez com vontade de treinar e aprender, e já voltou a solicitar a minha atenção quando estou em casa e lhe apetece... qualquer coisa. Nunca pensei ficar feliz com tal coisa: latidos altos e patas nas pernas quando estou ao computador. Um sentado de estátua, a olhar para mim, calado, com as pupilas dilatadas como só vi em Weimars, aquele ar alucinado que solicita mais e mais de mim! O Doc está de volta.

Quando o comportamento dele começou a mudar, a ficar mais calmo, ainda na fase pré-diagnóstico, só pude atribuir isso à mudança de idade. Vai fazer 7 anos em Janeiro, e achei que estava a amadurecer. Depois veio o cancro, os tratamentos, e tudo continuou igual, piorou com a toma de corticóides, e eu continuava a acreditar que o Doc estava amadurecido. Seriam já sinais da doença? Acho que nunca saberei. A verdade é que agora, findos os tratamentos, está outra vez com o nível de energia do costume, e não posso negar que isso me faz muito, mas muito feliz.

Emagreceu, está agora com o peso ideal. Faz exercício físico e mental, dorme, e come. Come sempre. Claro que está mais maduro. Mas continua com aquela vontade única de interacção, aquele requisitar por mais e mais desafios, e aquela vontade sôfrega de procurar. O meu Narizinhos está de volta, e vamos recomeçar agora os treinos a todo o vapor.
Não sei se já o disse aqui, nem se há necessidade de o fazer, mas ... adoro o Doc. Mesmo muito.