sexta-feira, 26 de julho de 2013

Segunda sessão de quimioterapia

Foi hoje.
O Doc tem-me conseguido surpreender bastante com a sua natural despreocupação com o facto de permanecer algumas horas numa jaula.
Repetimos os preparativos da semana anterior, e chegou o momento de esperar. O Doc, apesar do efeito da cortisona lhe provocar aumento na produção de urina, e consequente aumento da necessidade de urinar, aguentou como um herói.

Durante o tempo que ali passamos juntos, tive mais uma vez a oportunidade para reflectir sobre nós, a nossa relação, o que já passamos, e para tentar pensar no nosso futuro juntos. 
O Doc não é um cão particularmente empático, nem sinto que tenha comigo uma relação especialmente próxima, daquelas que descrevemos aos amigos, dizendo que o cão sentiu quando estávamos tristes, ou veio para junto de nós por estarmos sós. O Doc não é assim. Esse lugar aqui em casa é do Cusca. 
O Doc nem sempre se levanta quando eu chego a casa, às vezes levanta a cabeça, outras, nem isso. O Doc não gosta de festas sempre, e se lhas estiver a fazer e ele não quiser, vira-me as costas e sai do lugar. O Doc nunca mordeu ninguém, mas rosna com vigor se me encostar a ele, e mostra-me os dentes todos quando lhe corto as unhas. O Doc troca facilmente a minha companhia por quem tiver um pedaço de pão, ou outra qualquer coisa comestível. 
Como explicar então aquilo que nos une tanto? A única coisa que tenho a certeza é que se estivermos juntos, estamos bem. Mas sem cenários românticos em que o cão lambe as lágrimas, ou chora de alegria num reencontro qualquer. Nós não somos assim. 

Não sou uma pessoa especialmente afectuosa. Nem com os cães. Gosto de alguns carinhos, mas não gosto que andar sempre em cima deles com afectos. Gosto que sejam cães. Bom, talvez o Cusca tenha mudado um pouco isso, em conjunto com a Mimi. Como cão e gata tão afectuosos que são, e de pêlo longo, acabaram por me ensinar uma nova forma de relaxar que quase se tornou um hábito - passar-lhes os dedos no pêlo, desfazendo nozinhos e retirando o pelinho morto. Adoro isso. Acho que eles também. O Doc jamais gostaria desse nível de proximidade. 
O Doc e eu gostamos mais do contacto físico sem forçar. O encosto sem pesar a uma perna, uma mão suave na orelha, aquele toque suave que se sente mesmo quando se dorme, mas sem exageros. 


Então, nas sessões de quimioterapia tem sido assim. Estou ali ao lado dele, ele pode apoiar o seu focinho ou até a sua pata em qualquer parte de mim que queira, e apenas vou falando, e lendo. Uma carícia ocasional na orelha, e nada mais. 
Ás vezes penso que, mais afectuosos ou menos afectuosos que sejam as pessoas, deveriam talvez perder um pouco mais de tempo a perceber se os seus animais apreciam as demonstrações de afecto. Infelizmente tenho visto muitos casos em que as pessoas interpretam mal a linguagem dos seus cães, e continuam a forçá-los a abraços, a contactos próximos com bebés, a beijinhos e outras formas de carinho, quando no fundo, estão apenas a provocar-lhes um mau estar que poderá trazer consequências graves para aquelas famílias, algures no tempo. Tenho pena daqueles cães, e tento ajudar como posso as famílias que comigo se vão cruzando.

Para amar não é preciso abraçar. É preciso existir. E é assim que nós somos, eu e o Doc. Existimos um para o outro. E isso não vai mudar nunca.

1 comentário:

  1. Apercebi-me agora da situação que estão a passar... tu é o Doc... lamento muito!
    Abri este post por acaso é confesso que me emocionei como há muito não acontecia... talvez por ter um "Doc" na minha vida (não cancro mas grave displasia), por saber que cedo ou tarde (mais cedo do que tarde) passaremos também momentos muito difíceis e ele acabou de se juntar a mim... talvez por rever no Doc também essa personalidade mais "independente" do Thor... talvez apenas por vos ter conhecido e sentir uma forte tristeza com a notícia que acabei de "receber"...
    Muita força para ti...pois sei que com a tua força e Amor, o Doc vai ter muito mais energia para lutar esse mal desgraçado - o cancro... Tudo de bom e estão no meu coração...

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