domingo, 13 de outubro de 2013

Mais um soco no estômago.

Porque é literalmente o que sinto cada vez que aparece qualquer coisa ao Doc.
Seja um novo alto, uma ferida estranha, ou qualquer outra alteração.
Comecei até mesmo a fazer o exercício de desvalorizar, e percebi agora que isso não pode nunca acontecer.

Há uns dias, o Doc começou a ficar com a pálpebra inchada, mesmo no local onde removeu, há um ano, o melanoma. Como anda mais alérgico, em geral, e com os olhos inflamados devido às alergias, tentei desvalorizar. Ao terceiro dia, decidi que se calhar não devia. Continuava a crescer.

Dia 11 de Outubro foi o meu aniversário. Tinha tirado o dia para mim e planeado uma série de coisas que me dão prazer para fazer. A agenda começava pela manhã, levando um cão resgatado ao veterinário para seguimento das suas feridas, e depois continuava assim: iamos, eu, o Miguel, e os cães, caminhar até à praia, e almoçar na esplanada depois de umas corridas com os cães livres junto ao mar. Depois voltávamos para casa, onde ia relaxar no sofá a ler um livro, com as pernas quentes dos cães junto a mim aninhados. E depois iamos jantar, só os dois, em jeito de comemoração tranquila, já que o dia seguinte era cheio de trabalho.
Não foi nada assim. Na visita à clínica, com o cão que a minha Mãe salvou, decidi mostrar a fotografia do olho do Doc à minha querida veterinária. E ela já não precisa de dizer muito, não gostei do que li na cara dela. E foi assim que combinamos que teriamos que fazer uma punção para citologia ainda naquele dia, e que por isso o Doc teria que ficar em jejum até ao início da tarde. Os meus planos de passeio à beira-mar foram por àgua abaixo. Comecei a pensar que não precisava de ter um dia de aniversário perfeito, e que não queria prenda nenhuma, a não ser que a citologia trouxesse bons resultados.
E assim lá fui, levei o Doc para fazer a picada, e trouxe-o para casa, onde ficamos todos no sofá a descansar.
Tentava manter-me positiva, para atrair bons resultados, mas não consegui.
A sensação de soco no estômago foi substituida por aquele nós na garganta ao qual já me habituei, mas que continuo a detestar.
Voltou a espera. Fiz exercícios para não ficar ansiosa. Mentalizei, meditei, respirei fundo, e ajudou.
Á noite decidimos manter o jantar, e aí veio a melhor surpresa do dia. A minha Mãe tinha vindo para jantar comigo, e não aguentei. Descarreguei, chorei, ri, comi bem, bebi bem, e tentei mentalizar-me que, independentemente do resultado, tinha que manter-me positiva.

Cada vez que isto acontece vem tudo ao de cima. As dúvidas, as incertezas, a falta de clareza para tomar decisões, as saudades do que ainda está presente, as saudades do que já partiu, as reflexões sobre a vida nos vários quadrantes, e começa outra vez a ser difícil carregar no stop da minha mente.

Felizmente os resultados trouxeram boas notícias. Aparentemente trata-se de uma reacção por corpo estranho, e o Doc vai ficar bem. O Doc tem que ficar bem.

Esta vida com o cancro é cheia de altos e baixos. Qualquer pequena vitória tem que ser celebrada com excitação e todos os pequenos revés têm que ser tratados com cuidado e ponderação. Não posso desanimar, não quero desanimar, e também não quero ficar demasiado confiante, nesse caso a queda será maior. Não quero cair, não para evitar a queda, mas porque isso significaria que não teria o Doc comigo.
O Doc está bem, continua alheio a tudo isto, e para ele o mais difícil daquele dia foi ter que adiar a hora da comida. Vida de cão... que invejo por vezes, porque a ignorância torna-nos tão mais felizes...

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Cicatrizes e outras marcas...

Quando era pequena gostava muito de cicatrizes. Criança travessa, tive que aprender a gostar, senão não teria sido possível crescer com auto-estima.
Sempre achei que me davam charme. Talvez agora isso tenha mudado um pouco, depois dos 30. Mas não o suficiente para mudar de ideias. Continuo a vê-las, a todas, como experiência de vida, que adquiri quando fiquei marcada. Os lábios abertos, o de cima, e o de baixo, o sobrolho cosido a agulha e linha, a frio, por uma freira, a mão aberta a dentes, o nariz partido, duas vezes, o queixo aberto, tantas vezes que nem lembro, a ruptura de ligamentos no braço, o menisco, e os golpes da cabeça... o couro cabeludo esses ajuda-me a esquecer.
O Doc não lembra nenhuma das cicatrizes que tem, não as valoriza, nem alguma delas afectou a sua auto-estima. Há dias fiquei a pensar neste tema, depois de uma troca de emails com uma "amiga" - Sim, Cristina, é mesmo para si! - que conheci por causa do Blog do Doc. Valorizaremos nós demasiado o aspecto dos nossos animais? Sei que o que preocupava essa minha nova amiga não era a cicatriz em si, mas a cirurgia (talvez desnecessária), que a causou.
Também eu gostaria de ter poupado o Doc a tantas intervenções cirúrgicas, a tantas anestesias, a tantas cicatrizes.

Mas, para mim, as marcas com que fiquei fazem parte da minha história, do que sou, daquilo em que me tornei. Inevitavelmente minhas. Com ou sem pontos, marcas por todo o corpo que registam a minha passagem por este mundo, e a minha interacção com ele.
Para o Doc as cicatrizes são agora maiores, e mais visíveis, já que devido à quimioterapia, o pêlo teima em não crescer. Não me importo. Quando as observo, vejo que se tornaram também em marcas da minha vida, da nossa experiência comum nesta luta contra o cancro, que decidi um dia expôr publicamente através deste blog. Só que as cicatrizes dele não irão permancer em mim como as minhas. Irão desaparecer com ele, e aí, em mim, do Doc, vou apenas ter uma mini-cicatriz na cara, de um dente que me espetou quando era cachorro. E é uma das minhas preferidas. Mostra que ele passou por mim, ou eu por ele, e que algures no tempo, co-existimos.

Com, ou sem cicatrizes, o Doc é lindo. E todos os cães e outros animais como ele, que passaram por experiências de dor, todos eles têm cicatrizes. Umas mais visíveis, outras menos. Mas sabem que mais? Diz-me a experiência de anos e anos a resgatar animais em risco que as cicatrizes exteriores são as mais fáceis de sarar, e de esquecer.